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COLUNISTA
Mateus Modesto
08/10/2008 - 13h54
A fuga
 
 

Fernando era do tipo galanteador. Moço simpático, conversador e sempre bem arrumado encantava a menininhas da cidade. Não era namorador, apenas encantava-as com seu charme característico de galã de filme.

Como boa parte dos rapazes do interior, tentou a vida na capital. Trabalhou em diversos lugares e profissões, mas não se firmou em nenhum deles. Não por culpa sua, mas por extrema exigência de seus patrões. Ele não suportava pressão. Ao final de um ano, retornou para sua querida cidade, de onde não deveria ter saído.

Arranjou um trabalho em uma pequena mercearia. Em poucos meses, tornava-se dono de um mercadinho. Tudo muito simples, tudo muito arrumado, como só ele sabia fazer. Assim, com vinte e poucos anos, transformava-se no mais novo empresário da cidade. O que atraiu a atenção das garotas. Não pelo lado financeiro, mas pelo seu perfil empreendedor. Pelo menos foi o que algumas disseram. Ele não acreditou.

Seis meses após sua volta, ele não havia namorado ninguém. Imaginavam que estivesse com algum amor na capital. As más línguas diziam que havia se transformado por completo, duvidando de sua masculinidade. A verdade só ele sabia. E não compartilhava com outra pessoa. Mas tudo mudou quando ele conheceu Anicleide.

Anicleide era uma linda garota, apesar do nome. Morena, cabelos longos e finos, pele macia e extremamente simpática. Não havia conhecido rapaz. Era uma preciosidade dos pais. Não dormia fora, não passava das oito na rua, não conversava com homem sem a supervisão, ainda que distante, de algum parente – tinha cinco irmãos.

Fernando estava decidido a conhecê-la. Avisaram-no do rigor de sua criação e da brutalidade de seu pai, Zé Avenâncio. Ele não temeu. Apaixonara-se por ela.

Conheceu-a através de uma amiga em comum. Conversaram bastante, mas ela não abria um sorriso. Talvez por timidez. Não perguntava nada, apenas olhava para baixo, ligeiramente desconsertada com toda a situação. Ele amou-a mais ainda.

Encontravam-se todos os finais de semana na praça. Depois de três meses conhecendo-se, ela não apresentava sinais de timidez. Ria alegremente. E passou a gostar dele também. Mas sabia que não seria tão fácil quanto ele pensava.

- Você precisa pedir permissão para o meu pai.

- Mesmo? Em pleno século 21? – riu.

- É. – secamente.

Ele então se preparou para a visita. Mas alertaram-no que deveria levar um bolo e um anel. O primeiro era um presente para a família. O segundo, para a moça, revelando seu compromisso. Fernando fez conforme a instrução. E ensaiou um discurso para impressionar o futuro sogro.

- Bom tarde!

- Bom tarde.

Quem o recepcionou foi a mãe, Dona Ana. Anicleide ficou no quarto. Não apareceria. Zé Avenâncio surgiu, minutos depois, com uma pistola em mão. Fernando assustou-se.

- Então, você quer namorar minha filha. – limpando a arma.

- Sim.

- “Senhor”. “Sim, senhor”.

- Sim, senhor. Eu quero sua filha. Namorar. – visivelmente nervoso.

- Você é o rapaz que engravidou a filha de Seu Genebaldo?

- Não, não senhor.

- Você é o rapaz que fugiu com a filha de Seu Manoel?

- Não, não senhor.

- Você é o rapaz que descasou com a filha de Seu Robério?

- Não senhor.

- E você quer fazer tudo isso com a minha filha, seu vagabundo!

Fernando deu um pulo do sofá, já que Zé Avenâncio apontou-lhe a arma, ainda que descarregada. No desespero, derrubou um velho vaso, quebrando-o. Seu coração disparou. Ao som da queda do objeto, os irmãos de Anicleide apareceram, dois portando uma espingarda. Ele questionou-se o que estava fazendo ali.

- Você quebrou nosso vaso!

- Não fiz por querer.

- E se quisesse, teria feito?

- Claro que não.

Dona Ana apareceu para acalmar a todos. Chamou-os para lancharem na cozinha. Ela acabara de prepar um café. Experimentariam o bolo de fubá de Fernando. Para seu desespero, todos detestaram – o que era de costume fazer. Ele tremeu diante de tanta grosseria.

O bolo foi arremessado pela janela – geralmente eles jogavam na cabeça dos pretendentes. Trouxeram outro bolo, feito por eles. Estava mal assado, nitidamente cru. Mas Fernando admitiu estar gostoso. Fizeram-no comer três pedaços. Ele não agüentou.

A tarde passou lentamente, mas finalmente chegou ao seu final. Fernando estava firme: não havia fugido ou negado seu amor a Anicleide. Zé Avenâncio abriu um sorriso, assim como seus filhos e esposa. Gritaram e chamaram a menina. Ela veio felicíssima, com um lindo vestido amarelo e um laço no cabelo. Fernando, tremendo, abriu um tímido sorriso ao vê-la.

- Mulher, chama os vizinhos e prepara um belo jantar, porque nossa filha vai se casar!!!

Fernando assustou-se com a afirmação do sogro. Ele estava ali para pedi-la em namoro. Gostaria de viver com ela, mas o casamento, se houvesse, seria futuramente, daqui uns anos. Mas o barulho era tamanho que demorou para que fosse ouvido. Foi necessário berrar mais alto. Todos ficaram em silêncio.

- Eu não quero casar, quero...

Foi o bastante. Ele não precisou terminar a frase. Todos o olharam com desprezo e raiva. Fernando saiu em disparada, sem procurar conversa. Zé Avenâncio largou a pistola e retirou o facão da cintura, insultando-o. Os filhos seguiram o pai. Anicleide ficou com a mãe, lamentando.

Na semana seguinte, Fernando resolveu explicar-se. Apareceu na porta de Anicleide. Seu Zé apareceu com cara de poucos amigos. Limpando as unhas com o facão, perguntou-lhe o motivo da visita.

- Queria pedir desculpas pela confusão. Vejo que o melhor é não namorar sua filha.

- Quer dizer que ela não é boa o suficiente para você?

Antes que ele respondesse, o velho saiu resmungando, correndo atrás com o facão. Fernando sumiu para não mais voltar. Dizem que foi para a capital, de onde não deveria ter saído.


Nota do Editor: Mateus dos Santos Modesto é jornalista. Veja também em www.mateusmodesto.com.br.
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