Do fim do regime militar até hoje é marcante o amadurecimento da sociedade brasileira. Neste período, a democracia penetrou fundo na consciência nacional, o que fez tecer uma gigantesca rede de organizações sociais cooperativas voltada para a participação pública, promoção da assistência social, da cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico, conservação do meio ambiente, promoção dos direitos estabelecidos, assessoria jurídica gratuita, transparência governamental, responsabilidade social e voluntariado. A lista é imensa e evidencia um alto grau de solidariedade e compromisso com a ética e o desenvolvimento social sustentável do país. O impacto das ações desta rede social nas culturas privada e pública têm modificado radicalmente os costumes e as instituições e feito alternar momentos de crise e de avanço, nunca de retrocesso. O Brasil, por isso, suportou o afastamento de Fernando Collor de Mello, a cassação de parlamentares e de administradores públicos por incompetência ou corrupção; a prisão de empresários sonegadores de impostos, sem que as vivandeiras corressem aos quartéis. Da mesma forma, enceta com tranqüilidade a discussão sobre o uso da camisinha, a violência contra as mulheres e as crianças, sobre a livre orientação sexual, os direitos dos apenados e os direitos humanos. Todos estes são retratos de uma sociedade e de um sistema democrático que amadurecem. Do ponto de vista das representações simbólicas desta rede social, a Constituição de 1988 é considerada um marco, a referência histórica que delimita o ponto de partida do seu tecimento e motivo pelo qual é ainda chamada de Cidadã. Pois é na Constituição Cidadã, em seu Capítulo I - Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos - e em seu Capítulo II - Dos Direitos Sociais - é que está o sentido da existência e, por óbvio, das atividades da sociedade organizada brasileira: construir uma democracia plena no país, promotora dos direitos civis, políticos e sociais, simultaneamente. Contudo, se o sistema suporta as tensões políticas e comportamentais, não sabemos por quanto tempo ainda represará as sociais, visto que as desigualdades em nosso país não param de crescer. Já passa da hora de o Poder Público e a classe política cumprirem sua missão que é melhorar a vida das pessoas, transformando sua arquitetura institucional, aprendendo práticas e trocando experiências com a rede social que, por seus esforços, tem evitado uma catástrofe no Brasil. É a própria realidade atual que expõe o quanto políticas públicas distantes da realidade social, mesmo que bem intencionadas, acabam por aprofundar o quadro de crescimento da miséria. Decisões dos agentes políticos, fundadas no velho paradigma do "crescimento do bolo" e na aplicação ortodoxa dos instrumentos de responsabilidade fiscal, sem levar em conta indicadores que expressem o comportamento do risco social, apontam o quanto o Poder Público está, também, desconectado da agenda da sociedade e, principalmente, das conquistas inscritas na Constituição Federal. Felizmente a sociedade tem contado com um parceiro vigilante, zeloso das suas obrigações constitucionais e cuja amplitude de iniciativas o coloca como uma das instituições mais respeitadas pelos brasileiros. Inscrito, também, na Constituição Cidadã, no seu Capítulo IV - Das Funções Essenciais da Justiça - o Ministério Público - da União e dos Estados - é, com efeito, agente público singular na luta pela democracia plena e, em razão disso, desempenha papel importante no processo de construção de uma gestão pública socialmente responsável, sobretudo pelo alcance de suas funções institucionais. Pois entendemos que uma gestão pública é socialmente responsável quando ela é capaz de: a) assegurar a cada um dos brasileiros seus direitos individuais, coletivos e sociais b) submeter as políticas públicas nas áreas econômica e financeira a prioridades e metas de melhoria social c) efetivar iniciativas planejadas e transparentes, integradas com a totalidade dos Poderes Públicos, por meio de parcerias sociais com o Terceiro Setor e a Iniciativa Privada, visando a implementação de políticas públicas, planos, programas, projetos e ações eficazes e descentralizados d) promover políticas públicas que tenham por base diagnósticos atualizados, sistemas de acompanhamento, avaliação e prestação de contas permanentes, de modo a prevenir riscos e corrigir desvios, capazes de afetar o cumprimento das metas de melhoria dos indicadores sociais e) proporcionar a valorização e a capacitação dos servidores públicos, como agentes empreendedores fundamentais da responsabilidade social na gestão pública Para isso, penso que o respeito adquirido pelo Ministério Público na sua luta pela transparência, garantia dos direitos individuais, da preservação do meio ambiente e que o alçou à condição de aliado da rede social brasileira pode ser determinante para que possamos construir em todo o Estado, a partir da realidade de cada município, uma Lei de Responsabilidade Social - a exemplo da iniciativa da cidade de São Sepé (RS) - pautada nos seguintes procedimentos: a) constituição de instância comunitária de participação e gestão (Fórum, Conselho, Pacto) responsável pelo desenvolvimento sustentável do município b) elaboração dos mapas social, econômico, ambiental e da infra-estrutura de serviços municipal; do mapa da cidadania, que é o cadastro com base municipal e regional, atualizado, especificado por área, de todas organizações do Terceiro Setor, da Iniciativa Privada e dos Órgãos Públicos, envolvidos em ações sociais e do cadastro social, que é o registro individualizado e atualizado do público alvo dos programas, projetos e ações sociais empreendidas c) definição de um projeto de futuro sustentável para o município, com metas sociais, econômicas e ambientais a serem alcançadas e um sistema de indicadores para avaliá-las d) articulação e incorporação deste projeto no Orçamento Municipal e a constituição de Conselhos ou Comitês Gestores comunitários para cada objetivo e metas definidos e) prestação de contas periódicas para a comunidade dos resultados alcançados, através de um Balanço Social Um instrumento como esse, por fim, poderá servir ao Ministério Público como balizador da execução de suas funções institucionais, em especial daquelas previstas no Art. 129 da Constituição Cidadã, que são "zelar pelo efetivo respeito dos poderes públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia; promover inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos". Neste sentido, ganha muito a sociedade gaúcha com a iniciativa do Ministério Público do Rio Grande do Sul em constituir o Gabinete de Gestão de Responsabilidade Social, instituído pelo Provimento n.º 22/2004, como órgão de assessoramento do Procurador-Geral de Justiça, e que tem como função implementar e velar pela execução do Programa Institucional de Responsabilidade Social, dar visibilidade interna e externa a esta iniciativa, facilitar as interlocuções sobre o assunto dentre os membros do Ministério Público e setores da cooperação solidária, promover, reunir e organizar as parcerias. Outra iniciativa que merece aplauso é a do Ministério Público de Minas Gerais, que também em 2004 instituiu oficialmente o Centro de Apoio Operacional ao Terceiro Setor - e que tem como principais atribuições auxiliar o funcionamento administrativo das Promotorias de Tutela de Fundações de Minas Gerais, além de propor melhorias na legislação, produzir e difundir informações e conhecimentos sobre o Terceiro Setor, e estimular a capacitação de organizações sem fins lucrativos, com vistas a aprimorar as ações e serviços por elas oferecidos, sendo sempre referência nas relações intersetoriais. Estes são avanços importantes e que refletem o amadurecimento do Poder Público na busca de ações concretas para a transformação social de nosso país. Nota do Editor: Cézar Busatto é deputado estadual, líder do PPS-RS.
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