Bertolina desde criança não tinha pés, tinha um par de rodas no lugar deles, diziam os mais velhos. Desde menina sua vida era viver pelas casas dos outros, ora filando bóia, e colhendo informações preciosas para comentar mais tarde na sala de benzimento de Sinhá Zefa. Era lá que todas as tardes, com a desculpa de tirar os quebrantos dos filhos ou benzer as arcas caídas, a vida do bairro era tricotada pela língua alheia. Era lá também que Bertolina se destacava com todos os detalhes dos fatos. Não demorou em receber o jus apelido de lambisqueira, Bertolina Lambisqueira.

A atitude de Bertolina Lambisqueira começou a incomodar todo mundo, que não tinha mais privacidade. Diziam que a coisa não tinha nem acontecido e a lambisqueira já sabia e contava.

Injuriado com a explicidade de sua vida, um morador resolveu dar uma lição em Bertolina Lambisqueira. Tinha que ser algo medonho. Uma situação que a fizesse calar de vez com o tremendo susto. Primeiro pensou em corta-lhe a língua, mas era extrema demais essa atitude, só em último caso... Foi aí que uma idéia iluminou seu pensamento. Entraria em cena o lobisomem!

Passou dias confeccionando a fantasia. Arranjou um macacão velho com os construtores do cais do porto. Encheu um balaio de serragem no estaleiro do Velho Albino e tingiu com cozido de casca de aroeira e cajueiro, no tachão de tingir rede, logo, pô-lo para secar. Colou com cola de sapateiro no macacão. Estava pronta a roupa do bicho. Para os pés e mãos, em umas meias velhas foram coladas pedaços de bambu canudo de pito para fazer as unhas. Faltava a cabeça: para a cabeça, ele pegou o samburazinho de pesca colou a serragem, para as orelhas casca de bambuguaçu, a boca uma arcada de bagre, nariz uma semente de abacate com serragem, para os olhos duas grandes conchas de ostra. Olhou, olhou, faltava o principal, o rabo. Tinha que ser leve. A fantasia já pesava mais do que tudo. Teceu algumas palhas de banana, desfiando bem a ponta, tingiu também. Rabo colocado, Ufa! Tava pronto o lobisomem!

Quinta-feira, lua cheia, faltava pouco para meia-noite. Correu para o local onde a lambisqueira costumava passar depois de bater pernas o dia todo pelas casas do bairro. Vestiu a fantasia e ficou esperando. Já era sexta-feira. Logo foi descoberto por vira-latas, aí o show começou. Tudo quanto era cachorro local e adjacência se juntou a sua volta. Ele corria e a cachorrada ia atrás. A laúza foi tanta, que os moradores não se atreviam a espiar. Correu trilha, beco, roça, quintal e a cachorrada atrás latindo e uivando. Exausto, sentou na beira da praia. A cachorrada passou quase por cima dele e seguiu em frente atrás de uma coisa preta enorme em forma de cachorro, o cheiro de carniça empesteou o ar. Era o verdadeiro lobisomem que rumou praia afora!

Quando se viu sozinho, retirou a máscara e deu de cara com Bertolina Lambisqueira.

Precisava ver a satisfação da mulher! Ficou tão eufórica, que aos supetões as palavras iam lhe saindo:

- Quem diria... Hem? O senhor? Por isso que não casou? Em vez de ir atrás de mulher, vai atrás de lobisomem?

O homem pulou no pescoço de Bertolina e esbravejou:

- Agora te arranco a língua sua lambisqueira.

O que se sabe é que a lambisqueira nunca mais comentou nada de ninguém.