No dia seguinte à sua chegada em Ubatuba, Dona Lauriana apreciava do alpendre da casa da fazenda os empregados na lida do dia-a-dia. Ocupados, passavam de um lado para outro do terreiro fingindo não notá-la. Sinhaninha, como era chamada por todos da casa, voltava de uma longa temporada de estudos na capital. Era uma jovem cheia de sonhos e fantasias próprias de sua idade naquela época. Seu orgulhoso pai era um homem muito rígido. Tratava seu serviçal com pulso forte. Qualquer desfeita mandava cortá-los no chicote. No alpendre onde se encontrava Sinhaninha, uma roseira entrelaçava a treliça e perfumava com suas flores o ambiente. A moça acariciava os cachos de rosas derriçadas. Foi então que não se sabe de onde uma abelha se enroscou em seus cabelos longos e cheios. Se batendo sem controle para se livrar da abelha, Sinhaninha esbarrou num lindo rapaz que como por encanto apareceu em sua frente. O rapaz a acudiu. Livrou-lhe da abelha, segurando-a em seus fortes braços. Nascia ali um grande amor. A flecha do cupido transpassava o coração daquelas duas criaturas tão diferentes socialmente, mas designados pelo destino um ao outro. Perdidamente apaixonados, encontravam-se à noite no quartinho de Inácio, esse era seu nome, mas conhecido como Naná. O rapaz cuidava dos porcos da fazenda. Exercendo assim a profissão de porqueiro. Mas a língua alheia não tem tramela, o pai de Sinhaninha ficou possesso quando soube do que estava acontecendo com sua filha. Ao saber que sua princesa estava envolvida com um serviçal, mandou surrar o rapaz dentro do chiqueiro mesmo. Ao longe se ouviam os gritos do rapaz sendo torturado até a morte. Deprimida, Sinhaninha recolheu-se em seus aposentos por meses. Um dia ao aproximar-se da janela, viu um lindo porquinho roncando em sua direção, como se dissesse: - Olha eu aqui! Sentiu uma ternura intensa invadir-lhe o coração. Carente, a moça se apegou ao mimoso porquinho, que com o tempo crescia viçoso e companheiro, a ponto de dividir o mesmo aposento. O fazendeiro incomodado com aquela amizade resolveu matar o porquinho para as festas de fim de ano que se aproximava. Como podia? Primeiro sua filha se interessou pelo porqueiro, agora pelo porquinho. Era só o que faltava? Quando o suíno foi amarrado, o dono fez questão de ser o executor. Fazia questão disso. Na primeira ameaça, o porco deu um grito estridente e falou: - Não ficou satisfeito em me matar, hem patrão? Agora quer me comer? O fazendeiro teve uns choques tão grandes, que seu coração não agüentou, morreu no lugar do porco.
Nota do Editor: Fátima Aparecida Carlos de Souza Barbosa dos Santos, ou simplesmente Fátima de Souza, é, sem dúvida, a primeira caiçara da sua geração a escrever sobre temas do cotidiano local. É autora de Arrelá Ubatuba.
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