Mariozinho passou pela cozinha, foi atrás da porta e pegou a peneira, a mesma que sua mãe usava para peneirar o café em coco. Correu para a cachoeira. Escarafunchava a beira da corredeira do rio em busca de pitu, para quem não sabe pitu é um camarão do rio. Depois de várias tentativas, a peneira saiu cravejada de camarão e folha velha de capim navalha. Bateu a peneira numa pedra alta, catava os crustáceos e enfiava numa sacola de lona que atravessava seu dorso, magrelo. Numa dessas investida a peneira bateu num pé. Que susto para Mariozinho. Um homem de meia idade dormitava em cima daquela pedra à beira da cachoeira. Conversa vai, conversa vem, o homem contou: - Dia estes enquanto caminhava encontrei com minha consciência, ah! Menino, nem te conto, que tristeza muito triste... Ela tinha o cabelo armado como um feixe de sapé. Os olhos esbugalhados, toda sua vestimenta estava do avesso, mas estava magra, não muito leve, mas na medida do possível quase que normal. Passei batido, sem permitir que ela me reconhecesse. Logo na frente, quando eu pensava em respirar aliviado, de uma quebrada adentrou a rua, minha verdade de mãos dadas com minha mentira. As duas arrogantes portavam uma pasta de documentos para confirmar qualquer coisa, por todo o corpo carregavam armas e munição para impor suas vontades por livre e espontânea pressão, se precisasse. Credo! Ensebei a canela e me preguei em disparada sem olhar para trás. Esbaforido continuei a caminhada mais devagar. Quando pensei que a calma descia sobre a terra, reparei logo em frente o meu amor arcado que nem um bodoque, sua cabeça quase roçava a barriga, seus olhos estavam enterrados em seu umbigo, ao seu lado caminhava meu ódio, o sujeito era cego, portava uma bengala a qual batia para tudo quanto era lado tentando adivinhar o caminho. Meu Deus, aquilo era um pesadelo, não era possível. Um barulho ensurdecedor de tropel de cavalos machucava meus ouvidos, olhei de relance, o que era? O que era? Era meu ego muito bem vestido, numa carruagem de fazer gosto. Meu moral passou de mula. Era cupincha do orgulho, não aceitava nada que não fosse conquistado por ele mesmo. Toda aquela movimentação já estava mexendo com minha cabeça, como a roda gigante do engenho de cana. Mas não desanimei, vai que eu tope com a minha felicidade pensei. Era apostar para ver. Eu apostei. Continuei a andança. Fui, fui, fui, avistei a cavalo um mensageiro. Descobri então que era meu futuro. Estava prestando serviço para o correio como estafeta. Parou-me e perguntou: - É você que é você? Disse-lhe: - Sim, sou eu. Então ele coçou a enorme sacola de couro e me entregou uma carta. Peguei a carta, o remetente: ESPERANÇA. Abri-a. Mensagem: Caro amigo! Fiquei sabendo que há cinqüenta anos você anda atrás de sua felicidade. Então venho por meio desta informar-lhe que essa caminhada de nada adiantou. Faça meia volta e retorne. Para tanto, você deverá mudar cada personagem que você encontrou anteriormente pelo caminho. Exemplo: o que estiver sujo, limpe; o que estiver torto, arrume; o que estiver ao avesso, desvire; assim sucessivamente. Somente cumprindo estas tarefas, as quais você passou batido nesses tempos em que viveu nesta terra, você terá a ajuda deles para encontrar a felicidade. Todos esses personagens são chaves. Se você faltar com um deles o portal não se abrirá. Que desânimo senti. Que vazio. A sensação de ter corrido tanto para nada me acabou. Ah! Se eu soubesse disso antes. Não perdia tanto tempo. E agora, aonde arranjar forças para recomeçar? Há dias estou parado aqui. Vejo coisas apressadas a passar por mim. Estou sentado a beira de um caminho que não tem mais fim. Se bem que hoje de manhã já comecei organizar minhas idéias de como começar o retorno. Acho que pela metade do dia já terei feito alguma coisa. Se eu não conseguir até à tarde encontrar minha felicidade, não temerei a noite, a felicidade pode estar do lado de lá, quando eu for mais uma estrela no céu. Mariozinho, que ouvia o homem sem nada entender, ofereceu-lhe alguns camarões. O homem agradeceu, e subiu cachoeira acima, desaparecendo. Fez da cachoeira, sua escada em busca da felicidade!
Nota do Editor: Fátima Aparecida Carlos de Souza Barbosa dos Santos, ou simplesmente Fátima de Souza, é, sem dúvida, a primeira caiçara da sua geração a escrever sobre temas do cotidiano local. É autora de Arrelá Ubatuba.
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