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Contos
13/11/2010 - 15h11
Carrinho sem rodas
Edgar Izarelli de Oliveira
 

Na verdade, não sei se falta uma parte da historia que se preste para contar... Essa última deveria dar sentido as outras, isso só na teoria, na prática não sei, mas é como disse algum filósofo andarilho por aí, e eu acredito nisso: “todo fim é um começo e todo começo é um fim”. É isso que me comprova que Deus escreve torto por linhas certas! Talvez deva contar do começo...

Eu me chamo Rafael. Me conheço bem e talvez esse seja meu problema, mas quando isso acaba me salvando eu acabo me saudando. Bom, digo isso porque, há alguns meses, minha vida mudou radicalmente, já não via meus amigos por falta de tempo, tudo o que eu fazia era tentar estudar. Sim, tentar, não aprendia nada porque, simplesmente, não aceito esses ensinamentos acadêmicos... São frouxos e muito divisórios para mim, é, a ciência deve muito à medicina! Já que todas procuram separar metodologicamente seus objetos de estudo... Ora, vou ser sincero com vocês, acho que não há nada de errado em desmantelar uma coisa para descobrir como ela funciona... eu mesmo já desmontei carrinhos pra tentar entender porque as rodas giram, mas vamos e venhamos, a roda sem o carrinho não faz sentido nenhum pra uma criança, muito menos um carrinho sem rodas... Já pensaram que chato um carrinho sem rodas! Agora pensem numa criança que desmontou um carrinho e agora está tentando brincar com o carrinho sem rodas, mas claro que o carrinho não se mexe, então desesperada a criança vai até o pai e pede pra ele fazer o carrinho andar de novo e o pai todo sossegado pega a roda e o resto do brinquedo e remonta facilmente dizendo: “uma coisa não funciona sem a outra, filho!” e para nossa surpresa feliz o carrinho volta a funcionar, que felicidade! O pai é um gênio que sabe concertar tudo só porque sabe de algo tão simples como “uma coisa não funciona sem a outra, filho!”... não é mesmo? Não sei se ainda há carrinhos, acho que as crianças de hoje desmontam computadores e celulares! Mas isso não vem ao caso...

O caso é, na verdade, que acho que os médicos não ouviram os pais deles, você chega num médico com dor de cabeça, se o doutor for ruim, ele vai te receitar um remédio e te mandar para casa sem fazer exame nenhum, se o doutor for mais ou menos (porque médico bom não existe no ocidente) provavelmente ele te mandará para o neurologista esse não achará nada na sua cabeça e te mandará pro oculista, otorrinolaringologista, ortopedista, cardiologista, pneumologista e de repente você está num urologista, fazendo o que ninguém sabe, mas tem nas mãos um monte de exames e hipóteses que ninguém, nem os médicos entendem, mas tá vivo ainda, ainda com dor de cabeça, não é demais!? E vai ficar assim, até que algum amigo te indique um psicólogo ou um terapeuta oriental, desses que fazem massagem, acupuntura etc. aí, esse sim vai saber sarar tua dor de cabeça, por quê? Porque não vai querer que o carrinho ande sem as rodas, vai colocar as rodas no lugar e dizer a mesma coisa que o pai da criança: “uma coisa não funciona sem a outra, filho!”

Não é uma beleza dividir o corpo??? Agora imagine dividir um sentimento escrito em sonoridade, imagens, sintaxe e mais um monte de parafernálias, analisar uma poesia, ridículo! Ainda mais para mim que adoro versos, escritos por mim ou não, adoro versos! Adoro a literatura! Por isso fui para faculdade de letras... Que decepção! Era uma tortura aquilo... Separar letras de cada palavra de uma poesia, não entendo até hoje como isso pode ajudar a entender um verso! Fiquei triste, indignado, irado, esquartejavam assim na minha frente minha vida e eu não tinha força pra reagir, queria fugir dali, queria ir morar nas montanhas em algum lugar onde eu pudesse me achar, sei lá, mas ali não dava pra ficar, sentia muita saudade dos meus amigos, dos meus amores, dos meus sonhos, mas a maior saudade era a saudade de Silvia, Silvia, minha amiga de infância, só ela me da força pra continuar a vida, mas quando ela estava longe me apaixonava com muita freqüência, buscando em outras pessoas a mesma força, porque as rodas da minha vida são sentimentais ou emocionais, se isso é ruim ou bom, não sei, talvez os dois...

Foi nessa confusão, no final do Outono que conheci Paula, aquele sorriso, aquele olhar! No nosso primeiro encontro nos corredores, foi simples, uma apresentação feita pela nossa amiga Lara, uma conversa muito rápida, mas como todas as mulheres que sabem o que fazer para atrair um homem, Paula parecia ter me estudado durante anos para ter aquela conversa comigo, sabia tudo, tudo mesmo, sobre mim: desde a visão política até o gosto musical... Parecia ter planejado cada palavra e cada gesto, tamanha foi a impressão de mulher perfeita que me causou. Passei a ir para a faculdade somente para ver ela, mas ela faltava muito... Durante certo tempo, me perguntava se ela realmente existia, meninas não se assustem, isso é só besteira de menino apaixonado. O fato é que três semanas se passaram, só então ela reapareceu, e só aí tive certeza de que era mesmo uma menina... Nesse dia conversamos bem mais, e aí ela me conquistou de vez, não me lembro que arte ela inventou para isso, as artes da paixão não são claras como os versos do amor...

Gostava dela mas era segredo, segredo que nunca deveria ter sido exposto, e nunca teria saído de dentro de mim se não fosse um morto (abraço Douglas, já que me lembrei de ti)... Um amigo meu, as lágrimas voltam só em lembrar, bom, já que comecei, esse meu amigo, se suicidou, não direi muita coisa, só isso. Ele se matou... Quando eu soube entrei em choque, depois percebi que a vida é muito curta para guardar segredos, e sai feito um doido contando todos os meus por aí! Um dia nem me lembro quanto tempo depois confessei a Paula que a amava, ela então me disse a verdade que era que já estava com alguém... Mas de um jeito ou de outro, ela foi se aproximando... Até conhecer meus amigos mais íntimos, como o Gabriel e a Luana, de quem se tornou muito amiga, a ponto de Luana, Lu, como todos a chamavam, convidar Paula para o aniversario dela... E foi nesse dia que eu, Rafael, cometi o maior erro da minha vida, pelo menos até o presente momento, erro absurdo... Imaginem, deixei a Silvia ir sozinha para casa, no meio daquela chuva toda, depois de tudo que ela já tinha feito por mim, como pude deixar ela ir sozinha para casa, só para ir à festa da Lu acompanhado de Paula. Egoísta, só pensei em mim, quando digo “pensei” é “pensei” mesmo, raciocinei, não segui meu coração, pensei mesmo, fiz contas, fui um robô... Se tivesse parado um pouco para sentir alguma coisa, jamais teria ido com Paula, e muito menos teria beijado ela na festa, mas não, eu quis porque quis dar uma de racional, então! E depois da festa Paula sumiu! Contarei por semanas o que aconteceu comigo durante um mês que não vi a Paula.

Na primeira semana fui forte mas a carta de Silvia que recebi, toda escrita em versos me devolveu a sensibilidade normal, Silvia... Ela realmente não precisa usar as artes da paixão... Respondi a carta. Na segunda semana já achava que tudo aquilo tinha sido um erro, mas ainda acreditava na volta de Paula, escrevi cartas pra ela mas nunca obtive resposta, enquanto isso Silvia se fazia amar novamente, havia me escrito duas cartas em versos, lindas demais cada vez mais profundo ela chegava, como se algum dia houvesse deixado de ser minha amada. A terceira semana começou, desesperado por notícias de Paula, resolvi ligar, três noites seguidas liguei, sem conseguir falar com ela fiquei realmente desesperado e Silvia me socorreu de braços abertos, e versos mais lindos a cada carta, ao final de um mês recebi um bilhete da Paula “Espero que você possa me perdoar. Te amo Rafael!“ eram exatamente essas as palavras dela, não explicava nada, mas eu também já não queria saber, rasguei o bilhete e queimei o que restou. Tarde demais, Paula, já desmancharam seu véu!

Não foi inútil isso que vivi pelo menos nunca mais escuto minha razão aritmética! E percebi que Deus escreveu essas coisas tortas na linha certa da minha vida para que eu visse que minha vida sem Silvia é um carrinho sem rodas com o qual eu tento me divertir!


Nota do Editor: Edgar Izarelli de Oliveira é poeta e escritor. Trabalha como ator e diretor de marketing para a Compania Nóis se Nóis não é Nóis. Mantém o blog Palavras d’Alma (edizarelli.blogspot.com).

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