Naquele dia ele chegou em casa se sentindo meio esquisito. Saíra para pescar. Mas desde que se lançou mar afora os problemas se multiplicaram. Primeiro que seu ajudante chegou de cara cheia e foi dormir no convés. Logo em seguida o motor do barco engripava a olhos vistos. Ao navegar fora da Ilha das Couves, depois de um arrasto de camarão, o barco parou de vez. Amanheceu no Cais do Porto depois de ser rebocado por um barco parceiro que por ali passava.

Longe do atracadouro andou mais de uma hora até chegar em casa. Beijou a mulher, afagou as crianças. Zureta de tanto sono e cansaço, tomou um banho de gato e caiu na cama como uma pedra. Dormiu até à tarde. Acordou com a algazarra das crianças que pulavam por cima dele na cama. Levantou, coçou os olhos inchados, correu para o tanque no quintal, jogou uma mãozada de água na cara para acordar.

Então se deu conta que alguma coisa esquisita estava acontecendo com ele. Estava vendo coisas. Estaria alucinado? Estaria louco? Em seu quintal, debaixo de um velho cacaueiro uma turma jogava truco.

Firmou mais a vista. E lá estava... Eram eles... A maioria ele conheceu quando passaram por essa terra.

Botou para gritar compulsivamente.

A família, a vizinhança não entendia o que ele balbuciava entre linhas, com olhos esbugalhados.

- ”Eles estão vivos, estão ali, são fantasmas...”

Com a ajuda de todos, ele se acalmou depois de um chá de melissa com cidrão.

Rezas foram feitas. Depois disso não se tocava mais no assunto para não causar nenhum trauma ao alucinado pescador.

A conclusão foi que o sol intenso daquele janeiro, havia lhe cozinhado o cérebro. E o pobre homem começou a ver e imaginar coisas.

O tempo passou, voltou a trabalhar. Veio o Natal, o Ano bom, o Dia de Santos Reis, sua mulher lhe deixou louco para fazer compras na cidade.

O pescadoriu todo ia. Ela não queria ficar para trás. As liquidações se multiplicavam e ela queria comprar umas coisinhas.

Logo cedo partiram para a cidade no primeiro ônibus. Tomaram o café na padaria.

Quando as lojas começaram a abrir eles estavam lá de velho.

Um magazine abriu as portas e foi aquela loucura, pega, pega, agarra, empurra, leva.

No enredo eles foram levados como que abduzidos pelo fordunço.

Não demorou para a mulher lhe pedir ajuda. Pedir ajuda? Não... ela intimou o coitado a botar nas costas uma geladeira frost free, duas portas, um monstrengo, desajeitado de carregar. Mede dali. Ajusta de cá. A mulher a apressar o evento.

O pescador estava louco. Como levar para fora da loja o sonho de consumo de sua mulher? A geladeiiira!

No sufoco resmungou:

- Nessa hora não aparece nenhum vagabundo pra me ajudar!

Foi aí que ouviu:

- “E aí, meu camarada, qué uma força aí?”

Era o fortão do Vardomiro da Carminha que é falecido há 10 anos.

O pescador levou a geladeira e nem sentiu o peso.