Como alternativa para superar o sentimento de desamparo de crianças que são institucionalizadas perversamente, várias entidades em Brasília trabalham com um conceito novo. Trata-se da criação de casas-lares. Entretanto, as Aldeias Infantis SOS Brasil aprofundam o conceito e praticam a defesa do Direito à Vida Familiar. Ao contrário do modelo tradicional, em que crianças moram em alojamentos e comem em refeitórios, as casas-lares têm estrutura bem mais familiar: sala, quartos, cozinhas. Morando em cada uma delas, uma família um pouco diferente, porque não determinada pela natureza, é composta de uma mãe social com sete a dez crianças. Nesse ambiente, as crianças com anos de institucionalização nos abrigos sem vida familiar, e que muitas vezes perderam as perspectivas de adoção, têm a oportunidade de desenvolverem-se dentro do convívio familiar. Nessa nova família, as mães sociais capacitadas em maternidade social tornam-se profissionais regulamentadas por lei para poderem com seus filhos sociais conviver, passar valores, ensinar limites e educá-las a cuidar do próprio ninho, iniciando-as no processo de autonomia frente à vida. Tal como devia ser feito por nossas famílias de classe média inteligente. A entidade pioneira, que trabalha com essa prática revolucionária contra o internamento há mais tempo no Brasil, é a organização não-governamental Aldeias Infantis SOS Brasil. Em Brasília, a aldeia atende 147 crianças em 14 famílias substitutas permanentes. Um dos conceitos defendidos pelas Aldeias SOS é que as crianças não pertencem a uma instituição ou à Aldeia, mas a uma família, a uma mãe com quem se identificam e se referenciam. O projeto tenta valorizar a autonomia de cada mãe social e sua inserção na sociedade. Até o deslocamento para a escola é diferente. Enquanto os abrigos tradicionais reservam uma condução própria, estampando sua logomarca, as crianças que moram nas famílias da aldeia se locomovem a pé ou de ônibus, ou são levadas pela própria mãe. A prática do abrigo não atende ao que diz o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e nem ao direito de Vida Familiar das crianças excluídas das adoções que lotam as "instituições". Na Aldeia SOS vigora um outro paradigma, bem de acordo com a Convenção de Genebra para os Direitos da Criança e do Adolescente. A legislação brasileira referente à infância precisa se dar conta de novas alternativas de amparo e desenvolvimento infantil e fazer cumprir o ECA. Do contrário, a criança pobre, já penalizada pela miséria, ainda sofrerá pelo afastamento da família natural nos abrigos, onde acabam passando anos adquirindo as mazelas da institucionalização. Abrigo, como prescreve a lei, é transitório, emergencial e medida excepcional. Na Aldeia SOS, o que temos são famílias onde crianças, sobretudo grupos de irmãos e com idade mais avançada, já não têm muitas chances de adoção, encontram um amor de mãe, um lugar de pertencimento e alguém com quem podem se relacionar de forma definitiva como um filho ou filha. Há que lamentar a morosidade da aplicação das medidas protetivas pelas Varas da Infância e da Adolescência, e há que levar em consideração nas decisões judiciais sobretudo os verdadeiros interesses das crianças. Muitas clamam para estar com a família biológica e não se justifica o abrigamento por muitos anos, quando o motivo é a burocracia das Varas e a incompetência ou indiferença dos técnicos que assessoram os juízes e promotores. Devido a esse pensamento, as Aldeias Infantis SOS Brasil visam a atender crianças com perfil acertado, ou seja, aqueles meninos e meninas que têm necessidade de família, de uma mãe, de irmãos e de uma casa, filhos de hoje que continuarão filhos até além da emancipação. Procuram-se em todos os abrigos tradicionais de Brasília crianças e adolescentes com vários anos de institucionalização para que possam ter o direito a uma família e a oportunidade de conviver em comunidade. Nota do Editor: Nelson Peixoto é diretor da Aldeia Infantil SOS de Brasília.
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