O Capitão bebia seu conhaque encostado ao balcão do bar folheiro na beira do cais. Duas a três mesas se perdiam no meio da fumaça provocada pelos fumantes bêbados. Nem mesmo a algazarra de pescadores, aduaneiros, tripulantes agarrando as meninas de aluguel, mais conhecidas como ganfonhas pelos locais, atrapalhava a concentração do comandante do navio.

Navegara em águas revoltas, tempestades fortes que fazia de seu navio uma casquinha de amendoim rebolando no oceano.

Agora em terra, queria mesmo era sorver seu conhaque sossegado sem aporrinhação de ninguém.

O botequeiro, se aproximou com a garrafa de conhaque para oferecer-lhe outra dose. Com um gesto mecânico pediu sem falar que deixasse a garrafa ali ao seu dispor.

Foi quando um sujeito tocou seu ombro, fazendo-o sobressaltar, como retornasse a realidade crua.

O Capitão encarou o desconhecido, como sempre encara qualquer situação que não lhe é peculiar, com firmeza.

O camarada destrambelhou a falar, a implorar por uma vaga no navio. Precisava de serviço. Fazia qualquer coisa. Não tinha serviço que ele não conhecesse, ou não pudesse fazer. Relatou todas as suas aptidões como trabalhador.

O Capitão disse que não precisava de mais ninguém a bordo. Sua tripulação atual era mais que suficiente para manter o navio funcionando a contento.

Mas o desconhecido insistia em ser tripulante do navio. Quando viu a relutância do Capitão o homem propôs uma viagem redonda, de graça. Viagem redonda é uma espécie de teste de aptidão. O camarada trabalha um mês sem compromisso com o patrão, depois dependendo de seu desempenho é contratado, ou não.

Assim sendo, vendo que não tinha jeito de se livrar do desconhecido, concordou em dar-lhe trabalho no navio.

Foi combinada a hora de zarpar.

Quando o Capitão adentrou o navio o homem estava lá de velho. Já tinha limpado todo o navio. Preparado o jantar para todos. Estava terminando de arrumar a cabine do Capitão.

No dia seguinte ao acordar com o burburinho da tripulação, o Capitão foi ver o que acontecia, tamanha a manifestação no convés da nau.

Ninguém tinha nada para fazer. O novo contratado tinha feito todo o serviço de bordo.

Um levante. Queriam que o Capitão se desfizesse logo do inconveniente tripulante. Uma ameaça a todos. Uma possível demissão estava pairando no ar, uma vez que a eficiência do funcionário era tanta que ameaçava até o posto do Capitão.

Então em reunião secreta ficou acertado um plano para se livrar logo daquele incômodo e tão singular trabalhador.

Assim que o navio atingisse águas profundas, ele, o demônio, iria pintar a enorme ancora do navio. Quando estivesse bem em cima dos ferros, a tripulação lançava a ancora ao mar, cortando-a em seguida.

Feito assim, assim foi feito. Em mar aberto o expediente foi executado.

Uma sensação de alivio, iluminou o navio que seguiu viagem prosamente.

Dias depois, o navio aportou. Para espanto de todos, lá estava o demônio no cais encostado a uma ancora gigante atrelada a corrente.

Gritava ironicamente:

- Capitão, Capitão, eu achei o ferrinho que o senhor perdeu!

Assim cesse, tomara for.