Dado as características do futebol, seu relacionamento com o Direito Penal passa por nuances nem sempre compreendidas pelo leigo. Para eles explico. Os atos considerados anti-sociais passíveis de sanção pelo ordenamento jurídico - Código Penal - em vigor em nossa sociedade, nem sempre o são quando de uma disputa do popularíssimo esporte bretão. E por que? Leva-se em consideração na prática deste esporte e de outros que envolvem grande emoção e fervor dos ânimos, o desequilíbrio comportamental como natural, passível, digamos, de perdão. Daí a razão pela qual os acidentes que envolvem lesões corporais, mesmo quando maldosas, não passam da Justiça Desportiva, órgão corporativo onde as punições são de ordem financeira ou que representam suspensão temporária das competições oficiais. Para que se tipifique um delito no Código Penal, há necessidade do elemento subjetivo o dolo de dano direto ou eventual. Em outras palavras, o agente, aquele que deu causa ao dano, tem que ter a intenção prévia de praticá-lo, independentemente do seu estado emocional, ou de revide, ofendendo não só sua vítima como também toda a sociedade. Para o caso específico do Grafite, os nossos tribunais são unânimes em decisões anteriores de que "havendo dúvidas quanto à intenção criminosa a informar expressões ofensivas proferidas no calor de uma discussão, não se configura, por falta de dolo, o delito injúria." Por outro lado pode-se argumentar que o jogador brasileiro não discutiu mas tão somente foi agredido verbalmente pelas palavras e locuções pejorativas de freqüente uso pelos argentinos, dado a rivalidade existente entre os dois países vizinhos. A partida estava em seu pleno curso, com todos os jogadores no auge de suas emoções, embora contidas pelos árbitros no que diz respeito às regras do esporte. Daí a concluir-se que em outros tempos dificilmente o jogador argentino seria condenado pela Justiça Penal. Porém, para os dias de hoje as coisas podem sofrer outro rumo. O fato ocorrido teve repercussão internacional dado a transmissão pela televisão. Instantaneamente uma grande parte do Brasil viu, pela expressão labial, o jogador argentino chamar Grafite de "macaco filho da puta". Ainda bem que não viu, como o agressor denunciou e testemunhas confirmaram, mandar enfiar uma banana naquele lugar. Justifica-se o estado emocional para a agressão perpetrada? Está surgindo em todo mundo um movimento de racismo um tanto quanto preocupante e tanto isso é verdade que na Europa medidas já estão sendo tomadas para coibir essa onda de imprevisíveis conseqüências. Esse caso brasileiro é mais um e não tenham dúvidas que precisa ter punição exemplar para servir de alerta não só entre nós, como em todo o mundo do futebol, principalmente na Argentina, useira e vezeira de praticar um futebol viril e nem sempre muito ético. Os juízes são propensos em fazer constar em suas sentenças o fator punitivo que o crime impõe e o fator exemplar, exigido pela sociedade, principalmente quando o delito é praticado por pessoas públicas ou que estejam iluminados pelos holofotes da imprensa, no caso, internacional. Eis o grande risco do tal de Desábato tomar uma pena, se não de conseqüências físicas - prisão -, (com esse nome bem que merecia) pelo menos de conseqüência moral, essa já começou a surtir efeito com os dois dias de prisão, algemas e outras humilhações.
Nota do Editor: Herbert José de Luna Marques [1939 - 2013], advogado militante em Ubatuba, SP.
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