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COLUNISTA
Alexandru Solomon
12/03/2017 - 05h56
No Turcomenistão
 
 
Caixa dois

Lucy estava muito agitada, prova disso as repetidas investidas contra a geladeira do CIL. (centro de integração da Lucy). Quem é Lucy? – perguntará alguém. Ora, ora, agora vão perguntar também quem é Ababurtinogamerontes. Sorry, periferia, não pretendo repetir conceitos, significados e significantes. Leiam meu livro A Volta. Como? Nunca ouviram falar nele? Decididamente, não sei se vale a pena continuar, mas como vivo disso, sei que devo fazer algumas concessões. Voltemos à Lucy e seu estado de inquietação.
Tudo isso fora motivado pela frase de seu orientador:
- Lucy, precisa preparar seu TCC.
- Não quero me misturar com organizações interlopes.
- Eu disse TCC, não PCC, doce fóssil. Trabalho de conclusão de curso. Seu estágio está no fim e falta apenas esse remate. Sobre o que versará seu trabalho?
- Pensei escrever algo a respeito de fontes não convencionais de financiamento em uso no Turcomenistão.
- Excelente ideia. Suas anotações feitas durante a viagem serão de extrema valia. Vamos discutir um pouco, antes de você me apresentar um esboço do seu trabalho.
- Eu começaria discorrendo um pouco sobre as marcenarias daquele país e suas limitadas capacidades de produção.
- Poderia explicar melhor.
- Fiquei surpresa ao saber que o ‘output’ se limita apenas a duas unidades produzidas: caixa um e caixa dois. Falta diversificação, escala produtiva, espírito animal dos empreendedores locais,
- Não se precipite, e, na medida do possível evite diagnósticos apressados, que motivarão uma apreciação desfavorável por parte da comissão julgadora.
- Certo, mestre. Creio que devo refrear essa tendência de colocar rótulos em tudo.
- Lucy, vamos aos prolegômenos.
- Obedeço. Pretendo fazer uma abordagem pouco convencional, invertendo a ordem numérica dos produtos. Ou seja, iniciarei com algumas considerações preliminares a respeito da segunda caixa, a caixa dois. E, como trabalho definitivo, pretendo intitulá-lo “Uma introdução à caixologia”
- Pegou o espírito da coisa. 87,4% das teses são introduções. Apenas um reparo, é o caixa dois, Lucy!
- Estranho, bizarro, extravagante! Essas mudanças de gênero me deixam confusa, mas magister dixit – o mestre falou. Só para firmar a noção existem O caixa e A caixa, certo? Algo a ver com o tal de epiceno? Caixa-macho e caixa-fêmea?
- O assunto que escolheu versará sobre o macho.
- Tomara que não ganhe a pecha de discriminatório.
- Colocaremos notas explicativas para explicar isso.
- Mestre, explicativas explicando, que feio esse misto de colisão com tautologia!
- Bravo, Lucy! Receio que estejamos divagando. Vamos seguir seu roteiro e comecemos pelo caixa dois. Sugiro que conceitue o conceito.
- De novo, mestre?
- Foi para verificar se estava prestando atenção.
- Uma definição brilhante, magistral até, foi dada por um discípulo de Diógenes: trata-se de recursos não contabilizados. É um produto de marcenaria contábil, digamos assim. Quando uma empresa forma caixa dois? Quando, lassa de ortodoxia, vende sem nota ou quando paga valores inferiores ao oficialmente combinado (com saída de caixa legitima e retorno a cargo da imaginação do infrator – no caso, são dois: o que paga menos e o que finge que recebeu o devido – maleta de dinheiro, carrinho de feira etc.).
- Lucy, você pode mencionar também sacolas e cuecas. Precisa ilustrar numericamente o segundo caso. A empresa compra um item, por exemplo um prendedor de gravata, recebe a fatura de 100, paga 37,50 e o vendedor fica satisfeito. A diferença é um dinheiro órfão. O prendedor ajudará a prender, se me passa essa.
- No caso dos financiamentos de campanhas eleitorais, as Picarechts da vida não faziam caixa dois a partir do superfaturamento como muitos foram induzidos a pensar. Não, Não três vezes Não. Superfaturamento é uma safadeza combinada entre corrupto e corruptor para pagar valores maiores do que uma obra ou serviço valem. Uma ponte sobre o rio Amu Darya cujo valor normal seria um milhão de Manats é faturada por dois milhões de manats.
- Manats, Lucy?
- É a moeda do Turcomenistão. Com sua permissão, prossigo. Esse valor entra no caixa da empreiteira, (recurso contabilizado), sendo consequência de um acordo de toma lá, dá pro papai em troca de qualquer “bobagem” (garantia de novos contratos, com ou sem formação de cartel etc.) e saída, claro, de uma grana para campanha, ou para algum mimo, simplex, algemas de ouro com brilhante, anel, entradas para shows de música sertasneja etc.
- De fato, é uma safadeza, mas não é caixa dois. É dinheiro resultante de algo combinado. Tudo em ‘ordem’. Lucy, de onde tirou esse saber, ontem ainda mal sabia desenhar seu nome! Posso acrescentar que na visão do ETT – Extremo tribunal do Turcomenistão, esse dinheiro caracteriza corrupção. Continue.
- Para dar uma saída propínica as empresas tinham de se virar de alguma forma. Contratos fajutos com papelarias inexistentes, com cervejarias amigas, com promoção de eventos culturais como, por exemplo, camelejadas. Certo? Aí, sim, não pagavam o combinado e a papelaria do Zé faxineiro falecido ou inexistente tinha a sua contabilidade arrebentada. Follow the Money – sigas o dinheiro – e isso não deve ser tão complicado. Se um partido gastou na campanha mais do que recebeu oficialmente, aí temos, sim, caixa dois. Mas as empresas podiam ter doado dinheiro do caixa (contabilizado) fruto de simpatia, extorsão ou alinhamento político sait-on jamais. vá saber.
Entendo perfeitamente a lógica cínica de quem possa afirmar caso a aparência de sua contabilidade seja limpa: Minha campanha não foi financiada com caixa dois. O “ingênuo” beneficiário dos mimos, sabe que favoreceu uma empreiteira, mas o (mais ingénuo ainda) tesoureiro da campanha recebe um dinheiro quente e não há TSE que, pelo cheiro do cheque, TED ou outro instrumento, possa identificar (oficialmente) a origem malsã da doação. Pecunia non olet, dinheiro (mesmo sujíssimo) não possui cheiro já disse o imperador Vespasiano, fazendo alusão a um imposto sobre latrinas. Haverá a convicção do procurador, NÂO haverá prova. E mesmo que a empresa doadora use um recurso não contabilizado, como poderá alguém ser acusado de conhecer a origem impura dos recursos? Nesse ponto a segunda turma do Extremo tende a considerar que contabilizado ou não, há corrupção. Esse estribilho, se musicado, poderá dar uma bela marchinha carnavalesca em Ashgabat – capital do Turcomenistão. Contabilizado ou não, há corrupção (bis).
Daí, surgem protestos: Tudo que recebi foi dinheiro que registrei no tribunal eleitoral. Não só no tri, mas também no tetrabunal, (Podem delatar ad nauseam, o beneficiário dirá que para ele foi tudo legal. O advogado do delatado baterá nessa tecla até a morte. Se, contudo, o dinheiro foi para o iraniano, o belga, ou o italiano. o suíno fêmea torce a extremidade da coluna vertebral. Se foi caixa dois ou caixa N é crime. O popular batom na cueca.
- Lucy, você está indo bem, mas evite essas expressões de péssimo gosto. O rigor analítico fica tisnado por esses tabuísmos.
- Claro que houve um acerto anterior, que a ponte ou o estádio custou à viúva mais do que uma concorrência limpa acarretaria, e se não foi o suficiente para aplacar a fome, para que existem os aditivos de contratos? Mas esse ‘detalhe’, mesmo se confessado, poderá no máximo (ironia) deslustrar a figura do político corrupto e do Empreiteiro beneficiado posteriormente. A empresa retribuiu porque quis (ou foi no fio da moustache), o contraventor Friend, Mercado, Gato Persa etc., se recebeu foi através de pagamento a laranja, ou outra fruta cítrica que repassou, mas a grana está em algum lugar seja ele móvel ou imóvel ou conta em paraíso fiscal. Ou se evaporou através de pagamentos sem comprovação. O partido X pagou ao marqueteiro Y e nenhum dos dois declarou. Ou terá sido empregado bitcoin?
Resumindo: o financiamento de campanha não é (em geral) produto de caixa dois, foi produto de “operação estruturada” que beneficiou terceiros que repassaram a bufunfa – mordendo um pouco, pois não há sistema sem perdas, não é mesmo? É a segunda lei da Termodinâmica!
Não existe caixa dois benigno ou maligno! Se me passa a tautologia, caixa dois é caixa dois, - e vice-versa. Pode haver repasse de grana ganha indevidamente. Isso não é caixa dois. Pode haver repasse de grana lavada – e secada – e se quiser chamar de caixa dois, it´s up to you, como diria Shakespeare dirigindo-se a Oscar Wilde. Com o risco de me tornar inconvenientemente repetitiva reafirmo: Se a empreiteira X ganhou uma concorrência por um preço absurdo – vivam os carteis – o ‘plus a mais’ é dinheiro contabilmente limpo, embora moralmente sujo. O caixa dois surge quando o departamento especializado contrata uma empresa de lanches por 1000 e paga só 100, resultando 900, agora sim, caixa dois. Ou financia nas mesmas condições um show, uma corrida de lesmas etc. etc. etc.
Estou indo bem, professor?
- Considero você bem papuda.


Nota do Editor: Alexandru Solomon, formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, autor de “Almanaque Anacrônico”, “Versos Anacrônicos”, “Apetite Famélico”, “Mãos Outonais”, “Sessão da Tarde”, “Desespero Provisório”, “Não basta sonhar”, “Um Triângulo de Bermudas”, “O Desmonte de Vênus”, “Plataforma G”, “Bucareste”, “A luta continua” e “A Volta”. Nas livrarias Cultura e Siciliano. E-mail do autor: asolo@alexandru.com.br.
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