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COLUNISTA
Julinho Mendes
17/02/2006 - 08h19
Meu repúdio
 
 

Tanto faz a chuva como o brilho da estrela Dalva. O galo cantou, o homem já está de pé, tomando seu cafezinho intirume e se preparando para mais um dia de rotina. Rotina que o fez forte para suportar o sol, a chuva, o frio, o vento, o mar ressacado. Feito uma batuíra, andando rápido sem olhar pros lados, as vezes até sem responder bom dia, caminhava pelas ruas e praia até chegar a seu destino: o rancho de pesca. Rola ao rolo a canoa, já com a rede e os cabos de dia antes, ainda com o orvalho do sereno ou água da garoa. O pano da rede não tinha mais que dez metros de comprimento, os cabos não chegam a medir setenta metros de cada lado. Um companheiro na proa e dois em terra segurando a ponta do cabo. Em meia dúzia de remadas já estavam de volta. A rede feito arco de bodoque não distava setenta metros da praia. Quando jovem, com mais remadas e mais cabos, ia bem mais ao horizonte. Agora não! Agora ia ali pertinho só para cumprir seu instinto. De um lado puxava dois, e do outro, outros dois. Naquela imensidão de mar, seu pequenino arrastão era como uma gota d’água ou um mirim na areia daquela extensa praia do Itaguá - O que pescava esse homem com tão pequenino pano de rede? Vou responder meus senhores! Esse homem, no cumprimento de seu instinto ofício, pescava sua dignidade, pescava seu direito de viver. Sua vida estava ali, entre dois cabos, uma canoa e um pano de rede. Às vezes um robalinho, um punhadinho de camarão, meia dúzia de siris e até poita das escunas que ali aportam, este homem já pescou, dando-lhe um enorme trabalho.

Neste mesmo momento, traineiras, atuneiros, aparelhas... barcos equipados com os mais sofisticados e modernos equipamentos de pesca, fazem o mesmo trabalho; tiram do mar a mesma dignidade que o canoeiro de terra tira com seu pequeno arrastão. Quem está desertando o mar? É o único e solitário pescador de arrastão da praia do Itaguá ou as frotas pesqueiras dos grandes empresários espalhados pelo mar?

Pois é! Não me respondam essa pergunta!

Este homem, caiçara no alto de seus oitenta anos de idade, com seu pedacinho de rede, o único e último pescador de arrastão desses 92 km de litoral ubatubano, sofreu nesta semana a primeira maior humilhação de sua vida. Este homem foi levado preso pela Polícia Ambiental por estar exercendo seu trabalho de arrastar seu pequeno pedaço de rede na beira da praia do Itaguá.

Não vamos discutir aqui a lei que valeu para esse humilde pescador caiçara! Vamos discutir a humilhação pela qual esse homem de oitenta anos passou. Foi levado preso e ainda por parte dos filhos, teve que pagar uma fiança de novecentos reais para ter de volta sua liberdade. Desculpem-me os senhores homens da lei que também fazem exercer suas dignidades e seus trabalhos, mas antes de qualquer lei e diante de um velho caiçara do mar, tem que ter o respeito, tem que ter sabedoria, tem que ter consciência para praticar tal ato de violência, uma violência que atingiu o âmago de sua dignidade, sua moral, sua vontade de viver. Sua Família está indignada. Nosso povo caiçara está indignado com tal ação praticada contra esse quase centenário pescador caiçara.

Foi mais um ato de aniquilação da cultura caiçara!

Expresso aqui minha indignação e peço à ADPC (Associação de Defesa do Povo Caiçara) que também se manifeste redigindo uma carta de repúdio ao ato cometido pela Polícia Ambiental contra um velho pescador caiçara. Peço aos nossos vereadores, à Colônia dos Pescadores de Ubatuba e quem mais se sentir no direito, que façam o mesmo repúdio pela ação cometida.

Aládio Teixeira Leite, todo peixe do mar vai se acabar, mas não vai ser por causa de seu pequenino pano de rede.

Aládio Teixeira Leite, nosso povo vai se acabar, nossa cultura vai sumir, mas pode ter certeza que sumiremos com dignidade, deixando história, sabedoria, cultura e nesse sumiço iremos até o fim exigir o mínimo de respeito.

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