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Ano 1 - Nș 0 - Ubatuba, 27 de Outubro de 1.997

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Tio e sobrinhos...
Luiz Carlos dos Santos
articulista@ubaweb.com

 
Meu filho (4 anos) anda meio acabrunhado comigo. Sempre lhe afirmo e afirmei que não tenho irmãos, sou filho único. Atualmente anda achando que há algo errado. Sua cara, quando me fita, é uma eterna interrogação.
Sábado passado falou: "Penna, você poderia me levar à praia junto com um dos meus primos. Levaria a cadeira e ficaria sentado tomando sua cerveja enquanto a gente brinca. Vai Penna, fala com a mãe!".
Lá fomos nós rumo ao Tenório com um dos primos. Casa cheia, diria o locutor. Procuro lugar para estacionar. Alguém grita: "Tio, tio, aqui tem lugar.". Logo depois tasca: "Posso olhar o seu carro?". Meu filho olha-me, sem entender muito bem. Não digo sim nem não ao suposto sobrinho. Vamos para a praia lotada e procuramos lugar. A praia é mais democrática (democrática demais ao meu ver) e apesar da quase intimidade sub-reptícia, não há mais sobrinhos.
Na volta lá vem o priminho correndo em nossa direção, olhando-me com cara de quem fez algum favor e esperando a recompensa. Morro com R$ 1,00.
Estaciono no centro. Mal descemos do carro e outra pessoa aparece. É bem mais velho do que o garoto da praia. Meu filho segura a minha mão enquanto ganho um sobrinho avantajado: "Tio, posso olhar seu carro?". Como não tenho trocado perco mais R$ 1,00.
À noite volto ao centro. Parquinho. Procuro, de novo, lugar para estacionar. Para um final de semana normal, este é bem anormal. Gente demais, carros demais, e sobrinhos idem. Dois correm em minha direção. A pergunta de sempre. Meu filho questiona o que não lhe é óbvio: "Pena, por que todo mundo chama você de tio? E Por que você sempre dá dinheiro a eles?".
Explico que esses sobrinhos são de graça. Quero dizer, quase. Há algum arquétipo nessa tentativa de relacionamento sem parentesco. Antigamente os tios eram vistos como uma mina de ouro ambulante, como alguém que sempre faria a vontade, ou vontades dos sobrinhos. E alguns mais espertos estão usando os garotos para faturar. Por trás da necessidade implícita os escroques explícitos. Ninguém vê? E tome tio pra lá, tio pra cá. O dinheiro é dado como precaução. Se você não der corre o risco de se deparar com algum sobrinho do capitão e de seu carro ser riscado. Meu filho diz: "seu eu fosse você não dava dinheiro nenhum!".
Saio do parquinho e vou para o restaurante do Alfredo. Enquanto estaciono observo que o número de sobrinhos não queridos aumentou. Cada carro que aparece há um cortejo atrás. Garotos de 7, 10, 14 ou mais idade. Todos gritando, tio, e querendo uma partilha na mesada do meu, do seu filho ou sobrinho verdadeiro.

Desta vez sigo o conselho. Digo ao sobrinho: meu filho eu sou de Ubatuba, a placa do carro é daqui, não há necessidade de olhar o carro. Procure alguém com placa de São Paulo, Taubaté etc.
Voltando ao carro, mais alguns garotos. Saio e economizo cerca de R$ 1,00.
Domingo a mesma história. Praia, estacionamento, sobrinhos e farta distribuição de moedas de R$ 0,25 a R$ 1,00.
Meu filho continua acabrunhado comigo. Fui obrigado a lesar seu cofrinho, surrupiando moedas. Cada vez que dou algum de seus centavos ele choraminga. Eu idem, mostrando o carro. Ele abaixa os olhos. Antes de sair de casa pedi para a mulher ligar pra comprar aquele produto que dá brilho à pintura e tira riscos. Espero que funcione.Fim do texto.

Jogo de Búzios - Princípios
Mauro Roberto Santos
articulista@ubaweb.com

A cultura afro-brasileira rica em misticismo desenvolveu um método de adivinhação difundido entre os seus adeptos e curiosos, o jogo de Búzios, também conhecido como jogo de Ifá (Orixá que preside à adivinhação com os búzios).
Este singular meio de adivinhação é originário e único do candomblé, cultura religiosa africana que foi trazida para o Brasil através dos navios negreiros na triste realidade que o homem um dia proporcionou ao seu semelhante, a escravidão.
Em sua complexidade o búzio como usado na adivinhação ao longo dos anos transformou-se em corriqueiro meio de obter informações sobre o dia a dia e outros motivos pessoais de cada consulente.

Peneira de Búzios

Para entender melhor o que é um búzio devemos primeiro saber que o mesmo é a designação comum às conchas de moluscos gastrópodes.
Mas como é esse método de predizer a sorte de alguém, como funciona?
Primeiramente deve-se ter em mãos às conchas, encontradas para venda em casas de artigos religiosos da umbanda e candomblé.
Após obter as mesmas em quantidade não inferior a três, o menor número possível para predizer acontecimentos, normalmente usado dezesseis para sua realização, veremos depois como, o futuro leitor das conchas deverá prepara-las conforme regras estabelecida dentro de cada facção ou nação do candomblé. Essa preparação inicialmente, é a lavagem em água corrente (rio, mar, cachoeira etc.) para tirar as influências negativas que
possam conter as mesmas.
Como o ritualismo é enorme dentro da religião, após essa lavagem os mesmos deverão ser energizados com iguarias tais como azeite de dendê, mel e outros, até o sangue de animais que podem ser de bípedes aos quadrúpedes.
Deverão ser colocados em imersão numa vasilha de barro, durante períodos nunca inferiores a sete dias, podendo chegar a meses, um, dois ou três.
Uma ressalva em tempo deve ser creditada, não é qualquer indivíduo que pode manipular os búzios, devendo apenas os adeptos do candomblé com tempo e permissão ter atributos ao uso. É como se fosse uma dádiva, uma hierarquia conquistada.
Não pensem os leigos que comprando um livro, ou olhando outro manipular as conchas, poderá sair jogando suas próprias conchas. Esse ato poderá trazer ao longo dos anos malefícios e duras conseqüências a você. Melhor não brincar ou usar aquilo que o nosso conhecimento até então desconhece.
Como é o funcionamento do jogo?
Cada concha tem duas faces, uma aberta e outra fechada, devo lembrar que uma das faces, a bojuda será cortada, arrancada para possibilitar melhor manejo e representar aberta ou fechada de acordo com as nações do candomblé.
Deverá ser precedido de uma reza ou ladainha, normalmente em linguajar africano, o mais comum o Ioruba, língua do povo negro do grupo sudanês da África Ocidental, que vive no sudoeste da Nigéria, no Daomé e no Togo.
Ao serem jogadas em peneiras, tecidos ou tabuleiros de madeira, os búzios serão interpretados pelo seu leitor através das formações de suas partes abertas ou fechadas e das histórias dos Orixás, essas contadas de geração em geração aos adeptos da religião.
Com apenas três búzios temos as seguintes interpretações: sim, não, altamente favorável e altamente desfavorável.
Um exemplo simples, digamos que a queda configurou-se do seguinte modo: todas abertas, isso quer dizer que é altamente favorável o acontecimento perguntado pelo consulente.
O búzio foi entregue por Ifá e consagrado aos Exus (mensageiro indispensável entre os homens e as divindades), então nunca esqueça de saudá-los antes de iniciar uma consulta.
Este é o início ritualístico do jogo.Fim do texto.
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