Vermelho e amarelo, as cores do Benfica
e do meu time de domingo.
Num dos três campos, geralmente o do meio,
dentro de um outro maior que era o dos bois,
na época do rock,
sozinho torcia por aquele time em crise.
Raspadinha com groselha num copo duplo,
o prêmio de consolação da alma,
que triste assistia a derrota habitual.
O Brasil inteiro vivia a euforia da Copa de 58
e o nascimento do Rei Pelé,
que eu vi pelas luzinhas que corriam em lugar da bola
num grande painel na Praça da Sé.
Abobalhados pareciam todos diante dos alto-falantes,
que anunciavam ruidantes o terceiro gol do Brasil.
Ninguém falou outra coisa por meses, por anos a fio.
A mim mais interessava o rubro-amarelo
das matinais de domingo,
que eu via ao vivo no lugar da missa,
ao lado de poucos, sem o Vavá e o Gilmar.
Este era o maior time do mundo!
O meu time, o que havia elegido,
não o do seleção do Brasil,
porque eu não era o Brasil,
só uma criança de rua que não conhecia nada...
Um pedaço do meu bairro era o meu país,
não havia outro.
No meu time, o goleiro era o Coteco,
não tinha três dedos da mão direita,
mas voava como imagino voam os anjos.
Como alguém que não conheceu o Paschoal Moreira
poderia entender tanta paixão por um timinho de várzea
que se reunia na hora do jogo?
Como compreender este estado de quase adoração?
E fico imaginando quem entre tantos milhares foi um Kosilec?
Qual foi capaz depois de cinco chapéus seguidos marcar de cabeça?
Sem usar o braço, cotovelo ou outro truque qualquer.
Nem Pelé, nem ninguém chegou perto de fazer tal proeza no futebol.
E esta cena, sem câmaras, sem vídeos, ficou gravada na memória
de uns poucos, toda a platéia de um domingo de chuva,
de um fevereiro bissexto.
Não sei se mais alguém pode se lembrar disso.
O meu time acabou, mas não por ser perdedor.
Porque as máquinas chegaram...
E foram empurrando a terra, engolindo os campos.
Eram muitas, nem sei quantas, mas tantas,
que levaram a minha infância de uma só vez.
Foi tudo embora em poucas horas:
as balas de mamonas dos nossos revólveres,
as grandes árvores onde nos escondíamos.
Ainda não compreendia o que era especulação imobiliária
e menos ainda o que se passava com aquele lugar,
que ainda não era do meu passado.
Nunca mais liguei prá essas coisas de futebol.
Em vez de campos de várzea,
um apinhado de edifícios rosados se impôs ali,
alinhados, simétricos, desconformes com a natureza.
À época ninguém perguntou às árvores
e crianças o que elas sentiram.
Depois, também não! Mais depois ainda,
descobri que não se faz tais perguntas,
nunca!
