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Ano 2 - Nº 14 - Ubatuba, 15 de Novembro de 1998
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· Levanta, Ubatuba!
    Eduardo Antonio de Souza Netto
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III Centenário de Ubatuba - 1937

No dia 28 de Outubro de 1937, por ocasião das comemorações do terceiro centenário de Ubatuba, discursava o acadêmico Roberto Costa de Abreu Sodré durante o ato solene de inauguração de placas de ruas e praças com suas novas denominações: "Graças à patriótica iniciativa do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, que sempre se tem colocado à frente das grandes comemorações históricas de nossa terra e de nossa gente, vamos festejar o terceiro centenário da cidade de Ubatuba. Esta linda cidade praiana, outrora das mais progressistas do nosso grande Estado, ofereceu o seu magnífico porto ao intenso comércio de Minas e da zona norte de São Paulo. Depois de dias áureos, infelizmente, entrou Ubatuba em período estacionário, devido ao desenvolvimento de nosso "hinterland", ocasionando o quase abandono de tão belo e seguro estuário. Agora, depois do seu terceiro centenário, Ubatuba vai ressurgir, cheia de vida, desse entusiasmo são da nossa gente, acompanhando o progresso vertiginoso que se observa em todos os rincões do Estado. É por isso que Ubatuba, no seu terceiro centenário, quer perpetuar os nomes dos seus grandes filhos, dos seus benfeitores, até bem pouco relegados a imperdoável esquecimento"...
Discursou também, naquela ocasião festiva, em nome dos universitários da Faculdade de Direito de São Paulo, que aqui estiveram presentes, o acadêmico Antônio Sílvio da Cunha Bueno, que, entre outra coisas dizia: "...Ubatuba, tu viveste um pretérito fúlgido de glória, e eu te pressagio um futuro brilhante de esplendor. [...] Hoje, mais do que nunca, imprescindível se torna que o Estado dê seu apôio decisivo às iniciativas que pelo seu lado eminentemente social e pela necessidade premente com que se apresentam, exigem uma solução pronta ou, pelo menos, satisfatória. E, dentre estas, ressalta a de dotar esta terra de uma estação balneária que esteja ao alcance de todos e se coadune com as possibilidades econômicas dos menos abastados, daqueles que mais trabalham e, portanto, mais a merecem [...] Ao Estado cumpre não somente a tutela jurídica dos direitos, mas a sua ação deve, precisa manifestar-se no terreno econômico, desde que a atividade particular se mostre inoperante, ensinam os mestres da Economia Política, e mais decisiva ainda deve ser esta intervenção desde que ela socorra um problema como seja o do ressurgimento do litoral norte. Invoco aqui as palavras textuais do dr. Paulino de Almeida, profundo conhecedor das necessidades litorâneas: "A decadência do litoral da capitania de São Paulo acentuou-se, principalmente, no governo do capitão-general Franca e Horta, que criou impostos absurdos onerando os importadores e exportadores de Ubatuba, São Sebastião e Vila Bela, afim de permitir o maior desenvolvimento de Santos..." E, noutro tópico: - "Tendo Ubatuba atravessado as décadas republicanas na maior miséria..." Felizmente, Ubatuba tem se reerguido de maneira paulatina e segura e, honra seja feita, em parte devido ao sr. Washington de Oliveira, m.d. prefeito municipal, que tem empenhado seus melhores esforços nesse sentido. Que esse movimento renovador esboçado sensivelmente na mentalidade política dos homens de São Paulo, tenha continuidade, são os nossos desejos, os desejos de todos [...] Este rincão de nossa terra, meus senhores, merece de vós grande atenção; por ele, naturalmente, deve escoar-se toda a produção e sair toda a riqueza, não só de São Paulo, mas da parte do Rio de Janeiro, de todo o sul de Minas Gerais e, talvez mais ainda - do abrupto sertão que ora começa a despertar. Vai, Ubatuba, segue a trilha aberta que te rasgaram teus filhos, vence na aspereza a estrada da Civilização como eles souberam vencer; vai, Ubatuba, revigora-te e empunha a bandeira da Mocidade; vai, Ubatuba, de cabeça altiva, para a frente, na avenida da Glória".
Passadas seis décadas, cá estamos, situados entre as duas mais importantes capitais do país - Rio de Janeiro e São Paulo -, a menos de 100 km do Vale do Paraíba, uma das regiões mais ricas da América Latina, incrustados na Serra do Mar, envoltos pelos 10 por cento do que restou da pujante, da exuberante Mata Atlântica, com dezenas de rios e riachos, oitenta praias, inúmeras ilhas e, contudo, novamente... falidos!
A situação, hoje, agravada por esta crise mundial, por esta recessão que pune grande parcela da população e a obriga a se ater ao estritamente necessário, abstendo-se de gastos supérfluos como, p. ex., as viagens turísticas, deixa-nos em maus lençóis. Na verdade, o município vem sofrendo, nos últimos vinte anos, um acelerado processo de declínio econômico. Este processo foi e continua sendo o resultado de diversos fatores. A migração absurda de pessoas provenientes de regiões em processo de depauperação do sul de Minas e de outras localidades circunvizinhas, atraídas pelo então mercado ascendente da construção civil, do envolvimento exclusivo do município, direta ou indiretamente, com o turismo em detrimento das outras atividades econômicas nativas e o não incentivo para que se desenvolvessem outras vocações. É significativo também o descaso dos sucessivos governadores do Estado para com o Litoral Norte. É como se São Paulo, ao contrário de outros Estados, os do Nordeste principalmente, não visse e não veja o que representa o turismo na economia mundial. As parcas receitas da Prefeitura (80% provenientes do IPTU) para fazer frente à demanda de serviços públicos, agravados nas temporadas, feriados e fins de semana prolongados, impediram e impedem o município de investir em infra-estrutura e na melhoria dos equipamentos urbanos e, principalmente, nas questões relacionadas à saúde e educação.
Nesse contexto, o projeto da maioria das pessoas era (e continua sendo) o de ganhar o dinheiro dos turistas de qualquer jeito, a qualquer preço. Aumentou-se de forma descomedida e desordenada a oferta de serviços, constituíram-se incontáveis pequenos negócios, bares, restaurantes, quiosques, barraquinhas, a quantidade em prejuízo da qualidade dos serviços, e os que não dispunham de capital para aumentar a renda familiar partiram para a venda ambulante de tudo quanto é espécie de produtos. Em determinado momento, o antigo turista, aquele que descobrira Ubatuba como um lugar para o descanso, para a contemplação, para ter sossego, viu-se às voltas com uma horda de "curtidores de praia", que adoram um churrasquinho, Xitãozinho e Xororó e narrador de rodeio em altíssimo volume no sonzão do automóvel e que traz até o sorvete na bagagem. Esse "novo turista" espantou o antigo que, por sua vez, descobriu outras paragens mais civilizadas ou menos idiota e, agora, com toda essa crise financeira, nem mesmo esse turista de massa, brega, interiorano, vem mais.
A cidade está no vermelho. Os governos federal e estadual só demonstram preocupação com a tal preservação ambiental, não movendo uma palha sequer para proporcionar melhores condições de vida à população nativa. Toda a recente legislação ambiental é negativa, preconiza que o homem local deva ser um mero espectador, um ser contemplativo do bucólico, amante da natureza e se alimentado da brisa marinha. Aquela conversa de desenvolvimento auto-sustentado é só pra inglês ver. Como os ambientalistas esperam que a população local respeite e se empenhe nas questões ambientais se estas questões para ele não tem valor positivo? A questão ambiental deveria estar associada a outros projetos de desenvolvimento da região. Projetos que fossem entendidos, aceitos e que contassem com o compromisso da população, que gerassem valores dignos de serem respeitados e defendidos por todos. Valores que contemplassem primeiramente o homem e a natureza como pano de fundo necessário de uma existência digna e não o contrário. Toda simbologia ambientalista tem em Ubatuba um significado de entrave, de desemprego, de aflição. Não se pode arrancar um arbusto, não se pode plantar uma rama de mandioca sem incorrer em crime ambiental! Oitenta por cento das áreas do município são praticamente intocáveis, inviáveis para o nativo continuar vivendo e tirando da terra e do mar a subsistência! Que ação compensatória foi dada a essa população? Sabemos o papel que a Mata Atlântica representa no âmbito nacional e internacional, mas qual é o papel da população que vive na região? Apenas de pagar a fatura? Qual é o nosso papel? O de guardiães de barriga vazia dos Jardins do Éden ou do que dele sobrou? Dizem que a cabeça é apenas o estômago consciente, daí...
Este é um triste retrato da minha Ubatuba, tão perto da riqueza e de chapéu na mão, agonizante em seu novo ciclo de decadência. Talvez tiremos disso tudo um aprendizado. Quem sabe, em 2037, no quarto centenário do município, São Paulo e o Brasil queiram olhar um pouco por nós. Enquanto isso, parabéns Ubatuba. pelos seus 361 aninhos.Fim do texto.

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