Página Anterior Página Inicial
Ano 2 - Nº 15 - Ubatuba, 20 de Dezembro de 1998
Próxima Página
· A faquinha lapônia
    Ricardo Yazigi
    ryazigi@iconet.com.br

Paisagem da Lapônia

Há três anos, estava na casa de um amigo conversando sobre os espetaculares lugares do planeta onde, um dia, deveríamos ir.

- Veja esta foto. - disse ele, mostrando-me numa velha enciclopédia uma linda paisagem composta por muito gelo e esquimós - É a Lapônia, terra do Papai Noel.

- E por acaso, desde quando Papai Noel existe? - retruquei irônico.

Uma semana depois, lá estava eu embarcando para a Lapônia. É claro que não avisei meu amigo. Pensei no susto que levaria ao receber um cartão meu diretamente da terra do Papai Noel. No mínimo iria pensar em montagem destes tempos informatizados, onde se pode ver numa foto, a cara do Bill Clinton com o corpo da Cindy Crawford sem desconfiar que não é verdadeira.

Atravessei a Lapônia no verão, onde as temperaturas são amenas, algo em torno de três graus celsius positivos. No inverno a temperatura atinge os cinqüenta graus negativos, frio suficiente para pingüim ter de usar estola de pele.

Posso dizer que fiquei muito impressionado com a região, mas não o tanto que fiquei com seu povo. Os países da europa nórdica: Dinamarca, Noruega, Suécia, Finlândia e Islândia, não fazem parte de nosso mundo. São extremamente organizados, limpos, desenvolvidos e possuem um sistema socioeconômico que beira o ideal. Trata-se a grosso modo, de um socialismo nivelado por cima, o outro lado da moeda de seus colegas do leste europeu. Nesses países o cidadão é livre, respeitado e tem uma vida digna.

Mas como ia dizendo, a Lapônia é uma região ímpar. Fica a dois mil quilômetros do pólo norte do planeta e tem um artesanato interessante. Logo fiquei impressionado com as facas lapônias, que são utilizadas para o corte de peixes, focas e outras espécies. Cada faca tem sua utilidade específica e são fabricadas artesanalmente. Sua qualidade varia de artesão para artesão podendo custar de irrisórios cinco dólares até mais de mil vezes esse valor. Como turista pobre que sou, arrematei uma destas por dez dólares depois de muita pechincha, ato não muito praticado ou entendido pelos lapões.

Botei minha estimada faquinha lapônia na bolsa e segui viagem.

Da Finlândia, onde fica a parte da Lapônia que mora o Papai Noel, fui para a Suécia, país de mulheres lindas, povo alegre e capital das mais bonitas de toda a face da Terra. Na Suécia novamente, povo educado e lugares bem arrumados.
Chegou o dia de voltar. Mochila nas costas e bolsa de mão, segui para o aeroporto de Estocolmo. Despachei a mochila e entrei para o embarque com minha bolsa de mão. Ao atravessá-la pelo raio X, a surpresa. O policial sueco polidamente solicitou permissão para abrir minha bolsa.

- Senhor, infelizmente não poderá embarcar com esta faca no avião. Preencha este formulário que a enviaremos para sua residência, em breve.

Perdi minha faquinha da Lapônia, pensei. Depois de tanto sacrifício, pechincha e milhares de quilômetros rodados, iria me separar da minha faquinha, que já se tornara de estimação, por antecipação. Foi uma dura punhalada.

Chegando ao Brasil, passei pela alfândega e corri para o box da companhia aérea. Queria saber se veio alguma encomenda para mim, quem sabe haveriam mandado pelo comandante do vôo. Após longos minutos, a confirmação: nada.

Segui para casa triste. Era só uma faquinha de dez dólares, mas era de estimação e ainda por cima da Lapônia. Desarrumei minha mochila, fui almoçar e depois descansar da viagem. Acordei com a terrível campainha do telefone.


- Sim, sou eu. - disse eu à simpática voz feminina que vinha do outro lado da linha.

- Senhor, estou ligando para avisá-lo que chegou sua encomenda da polícia sueca.

- Como?!!

- Sua encomenda da polícia sueca já chegou e tivemos ordens para levá-la imediatamente à sua casa. O senhor poderá aguardá-la aí? Gostaríamos de confirmar o endereço.

Não sei se estava entorpecido pelo sono ou pelo telefonema. Encomenda da polícia sueca? Será que houve algum engano nesta história?

Uma hora depois, toca a campainha de casa. Dois senhores de terno impecavelmente vestidos me entregam a encomenda e pedem para mim assinar quatro vias de um documento. Agradecem educadamente, e pedem desculpas pelo transtorno em nome da polícia sueca, entram num carro de luxo, do ano, e seguem seu rumo.

Paisagem da Lapônia

Ao abrir o pacote, meus olhos brilharam ao ver minha faquinha lapônia de estimação. Fiquei, por longos instantes, refletindo filosoficamente sobre os valores diversos dos povos e como ainda pode existir respeito ao ser humano, num mundo tão complexo e, muitas vezes, frio como o nosso.

Depois deste episódio, comecei a achar que Papai Noel realmente deve existir.Fim do texto.

Boogie de Ubatuba

26 DE DEZEMBRO 98 A 10 DE JANEIRO 99

  Página Anterior Página Inicial
Ano 2 - Nº 15 - Ubatuba, 20 de Dezembro de 1998
Próxima Página
Copyright © 1997-1998, UbaWeb. Todos os direitos reservados. É permitida a reprodução do conteúdo desta página, desde que mencionada a fonte.