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Ano 2 - Nº 18 - Ubatuba, 14 de Março de 1999
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· No carnaval que passou estrelavam:
  Zéca Pão, Biscoito, Veiga, Miguel Argeu...

    Aládio Teixeira Leite Filho
    articulista@ubaweb.com

Dança do Boi de Ubatuba - 1951

Muitas histórias, algumas engraçadas, outras recheadas de um lirismo comovente e alguns raríssimos fatos permeados de algumas pitadas de tristeza, como é normal em qualquer lugar, formavam o cotidiano de nossa chuvosa, madorrenta e feliz cidade, nos tempos inocentes em que vivíamos aqui, quase que totalmente isolados de outras terras, não nos valessem ligações marítimas com locais como Santos, Paraty...

Desta forma, quase que todas as coisas dependiam de soluções caseiras, fosse na saúde, economia, lazer... No que se refere à área da saúde o mais comum era recorrer-se a benzedores e fazedores de remédios a base de ervas, que na época proliferavam e atuavam quase que em todos os bairros e mesmo na parte considerada mais central de nossa minúscula Ubatuba.

Nesse sentido, um dos célebres fazedores de remédios a base de ervas era o Sr. Guilherme Póca, que de certa feita foi protagonista de um episódio bastante hilário. Contava ele certo dia à Sra. Cidalize, esposa do Sr. Leovegildo Dias Vieira, que há muito tempo vinha tentando buscar encontrar um remédio para curar um problema de saúde que vinha apoquentando sua esposa e que, após várias tentativas com inúmeros benzimentos e remédios a base de ervas mal sucedidos e de infrutíferas andanças por diversos pontos da cidade à cata de um lenitivo para os padecimentos de sua senhora, acabara por encontrar a solução para tão intrincada sinuca de bico, da forma a mais inusitada que se podia imaginar, dizia ele exultante:

- Sinhá Dalize, o remédio saiu de minha própria cabeça!
- E que remédio miraculoso foi este seu Guilherme? - Perguntou Sinhá Dalize curiosa.
- A solução para o problema de minha mulher, estava num chá de chifre raspado que fiz, foi tiro e queda! Sinhá Dalize.

Cabe aqui ressaltar de antemão, evitando-se assim determinadas e maldosas dúvidas ou constrangimentos, que o percursor da dança do boi no carnaval de Ubatuba foi exatamente o senhor Guilherme Póca, motivo pelo qual tinha ele chifre de boi muito fácil à mão. Figura das mais proeminentes do carnaval dos anos 40-50, sucedido mais tarde por outras figuras de igual calibre como é o caso dos folclóricos Zéca Pão, o seu Veiga, o Biscoito, o engraçadíssimo e super criativo João Barroso e seu Miguel Argeu, que todos os anos colocava na rua seu bloco, com os componentes garbosamente vestidos de coloridas fantasias de lamê, alegrando a cidade inteira com inesquecíveis marchinhas tais como: Me dá um dinheiro ai / Estrela Dalva / Alalaô... / Amélia... que são ainda, cantadas até hoje... Enfim, havia carnaval, na acepção ampla da palavra, naqueles tempos, diferente do momento atual em que vivemos, onde o carnaval figura esturdio como sinônimo de bebedeiras coletivas, agressões verbais e físicas, vandalismo contra próprios públicos e privados e intenso desrespeito ao próximo.

Voltando à questão relativa à introdução da dança do boi no carnaval de Ubatuba, seria de boa lembrança registrarmos que com relação à esta tradição, verificaram-se ao longo do tempo na história dos carnavais de Ubatuba, vários momentos engraçados e extremamente marcantes.

A título de ilustração, poderíamos citar uma determinada época em que aqui em Ubatuba, coexistiam o boi do Itaguá e um outro do Perequê-Açú, sendo que a rivalidade entre os dois bois era bastante acentuada, inclusive constituía-se no ponto alto da festa, o momento em que os bois se encontravam em um determinado local e partiam para a briga.
Num desses fulgurantes carnavais, entre serpentinas e lança perfume, os dois bois encontraram-se em cima da antiga ponte de madeira que levava ao bairro do Perequê-Açú. Os dois estacaram-se ali, paralisados, se estudando para o grande e decisivo duelo de titãs que seria travado. Embaixo do boi do Perequê, estava o singularíssimo Cidônio, bêbado feito um peru em véspera de natal, cai ali, cai aqui. Em dado momento o boi do Perequê se encheu de fúria e bufando feito um dragão doido movido a álcool, partiu celerado pra cima do boi do Itaguá e deu-lhe uma monumental cabeçada que, sem dúvida nenhuma, era para ter destruído o boi do Itaguá, pois que ninguém naquela época, nem em sonhos, suporia que a cabeça do inocente boizinho do Itaguá, poderia ter sido confeccionada astuciosa e maldosamente com concreto, como se constatou naquele, para o pobre boizinho do Perequê, fatídico carnaval. O impacto foi fatal, o boi do Perequê ficou mais tonto do que já estava, se é que isso ainda era possível, e precipitou-se pesadamente ponte abaixo, quase matando o Cidônio afogado. No dia seguinte o boi do Perequê apareceu em lamentável estado de deterioração, boiando em decúbito dorsal no rio da Pedreira, para tristeza de um bairro inteiro que tanto o amava.

Em um outro carnaval mais recente, já lá pelos meados dos anos 80, o famoso boi Dourado ia lépido e fagueiro avenida Iperoig afora e a segui-lo uma multidão de foliões eufóricos. Em dado momento, a bateria que acompanhava o boi parou, o boizinho abaixou para descansar; ínterim aproveitado pelo sacana do Gilberto Diniz, que dançava embaixo do dito cujo boi, para dar uma monumental cagada.

Quando a bateria reiniciou, o boizinho levantou todo animado e saiu dançando, e os que vinham atrás foram macetando o pé na bosta do boizinho, espalhando pela avenida um cheiro insuportável que ficou impregnado de forma mais recalcitrante pelas imediações do pobre boizinho Dourado que, acometido da planejada e mal fadada cagada do safado do Gilberto, acabou por este trágico motivo, tendo seu poético nome de boi Dourado, trocado para boi Catingudo, o que foi cruel, muito cruel... confirmando a parábola bíblica de que, pelos pecadores, pagam os inocentes.

Este era o espírito que a grosso modo prevalecia naqueles inocentes carnavais passados de Ubatuba, que os tempos não trazem mais. Pouco a pouco, vão silenciando-se os últimos ecos das marchinhas carnavalescas em nossas ruas, identicamente o colorido do lamê pouco a pouco vai desmilingüindo-se em nossas reminiscências feito aquarela antiga a se descolorir, escasseiam-se definitivamente personagens como seu Guilherme Póca, seu Veiga, Zéca Pão, Biscoito, João Barroso, Miguel Argeu, e até mesmo o desfile dos inúmeros e grotescos mascarados que naqueles velhos tempos proliferavam em nosso singelo carnaval, os quais os mais graduados apresentavam desenvolvidos chifres e os menos, sem portar adereço tão singular e que tanto os qualificavam, mas que nem por isso os tornavam menos divertidos e patéticos no bom sentido... e tantos outros personagens fantasticamente ricos em criatividade e traquinagens, que de forma ingênua e desprendida, puderam enriquecer e proporcionar maravilhosos e inesquecíveis carnavais à nossa outrora e tão carnavalesca população ubatubense.

Como tudo é passado consolidado que não se pode mudar, ou voltar, nos resta como derradeiro consolo, cultuarmos e não poupar esforços no sentido de manter incólume toda essa nossa riqueza cultural de forma viva, posto ser o âmago de nossa alma, que se finada, fatalmente romperá o elo que nos permite uma identidade, que nos norteia e compõe de forma decisiva nossa personalidade, nosso "eu" caiçara que, tanto orgulho denota a todos nós filhos desta formosa, gentil e magnânima cidade... E o Eduardo Souza Neto, com seu competente e esmerado estilo literário, se quiser que conte outra... pode começar assim: - Ubatuba, cidade que nos seduz, de dia falta água, de noite falta luz... sem que com contudo, nada disso nos cause maiores, queixumes, percalços ou sobressaltos, pois possuímos com riqueza, vinda diretamente de nossa luxuriante "Serra do Mar", minas de águas translúcidas e bem fresquinhas, para nossa sede aplacar, e infinitas esteiras espetaculares de ardentias no mar a iluminar os paços desta gente que mora e vive feliz à beira-mar...Ubatuba sem dúvida amar o mar é...Fim do texto.
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