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COLUNISTA
Deusdith Velloso
03/08/2009 - 11h02
Pensando a nossa história
 
 

Em artigos anteriores, tenho falado em qualidade da educação, porém hoje, vou relacionar fatos com os artigos do colunista Nenê Velloso. ”Construindo o passado III” – 1 e 2. Observem o tempo e o processo educacional na história recente da humanidade. Nos anos 80, século XX começa a aparecer os estudos de Emilia Ferreiro. Grande educadora, todos envolvidos em conhecer os seus trabalhos. Havia uma quantidade de cursos para que os professores, principalmente os alfabetizadores conhecessem e estudassem Emilia Ferreiro. Eu não era uma professora alfabetizadora porque não trabalhava com crianças das séries iniciais, mas via os colegas discutindo e tendo que estudar Emilia Ferreiro. Não tenho nada contra a ilustre educadora e considero o seu trabalho importante para essa geração de professores. Assistia na sala de reuniões pedagógicas os professores dizendo que alguns alunos estavam na fase alfabética e outros já eram silábicos, mas não esclareciam se estavam alfabetizados ou não, e nem esclareciam se essas crianças sabiam ler e escrever. Esse fato sempre me trazia à lembrança uma fase da minha vida... Aos 06 anos eu disse para minha mãe que eu não queria aprender a ler em Cartilha. Falei com muito desdém:

- Esta Cartilha de Laurita só fala de uma menina e um gatinho.

A minha mãe disse que isto era simples, a gente podia mudar para cavalo, galo, ia mudando de palavras. Não mais que de repente, ela resolveu perguntar onde eu queria estudar. Respondi com muita segurança.

- No Jornal.

Ela, então perguntou-me:

- O que você entende de Jornal?

Respondi prontamente:

- O Jornal conta as coisas que acontecem no mundo e esta cartilha não conta nada.

Ela, muito surpresa, resolveu aceitar o desafio e disse que a gente estudaria um pouco no Jornal e um pouco na Cartilha. Mesmo assim, continuei o meu discurso de como aprender a ler e escrever. Disse a ela que eu já conhecia todas as letras, só faltava ela me ensinar a ler assim, de pressinha. Foi quando ela começou a rir e disse que a gente não fala e nem lê com letras e sim com sílabas. Quando ela falou isto, foi uma luz na minha cabeça. Sai, peguei o meu jornal e fui treinar um texto para leitura. O Jornal que tinha na minha casa, naquela época, era “O Tempo”. O meu pai era representante desse jornal. Naquele dia mesmo, na hora do jantar, eu já estava com a minha lição pronta. Falei para todos:

- Eu já sei ler.

Peguei a página do Jornal que eu tinha preparado e li o texto. Não me lembro qual foi o texto, o que não me saiu da lembrança foi o ato de ler. O processo da leitura foi mais importante que o texto. Lembro também, que desse dia em diante, o meu pai costumava pedir para que eu lesse o Jornal para ele dizendo que estava muito cansado do trabalho. Eu não me fazia de rogada, pegava o Jornal e começava a ler o Editorial. Às vezes ele vinha com o meu tio e os dois ficavam ouvindo a minha leitura. Este episódio tem o objetivo de levar aos leitores desta revista eletrônica uma reflexão bastante simples e não menos importante sobre o estudo que a Ilustre Emilia Ferreiro faz nos anos oitenta e que já era conhecido da Professora Dionísia e de muitas professoras daquela época. Essa expressão criança alfabética e criança silábica era uma coisa normal para quem alfabetizava as crianças. Outro assunto que é moda, atualmente, é o ensino contextualizado. Vários autores escrevem livros para que os professores trabalhem os conteúdos teóricos comparados com algo conhecido dos educandos. Por exemplo: explicar um princípio matemático a partir de uma bola, ou de um quadrado. Em 1927, quando a professora Dionísia começou a lecionar na Escola Isolada da Picinguaba, ela dizia que seus alunos, em 4 meses de aulas estavam alfabetizados. Isto significava que eles sabiam ler escrever e as 4 operações: adição, subtração, divisão e multiplicação. Ela dizia, ainda, que a divisão foi a operação que eles apresentaram maior dificuldade.

Pesca da tainha. - Imagem: © Arquivo Nenê Velloso

Para resolver o problema ela perguntou a eles como faziam para dividir o quinhão de peixe na pesca da tainha, por exemplo. Ela contava que a pesca da tainha é um período de fartura para todos que moravam ali. As crianças, então foram explicando como isto acontecia. Ela fazia as perguntas e os alunos iam respondendo:

- O dono da canoa é também o dono da rede? - perguntou ela e eles responderam que sim.

- Na divisão do peixe, professora o dono da rede fica sempre com o dobro de peixes.

- Então expliquem como é a pesca.

Eles fizeram a seguinte descrição:

- A canoa e a rede vão para o mar com três pescadores;

Na praia ficam uns 5 que vão ajudar a puxar a rede; no largo, perto da rede que já está sendo puxada, ficam as canoas pequenas com os aparadores.

- O que são os aparadores?

= Professora, os aparadores são donos de canoas pequenas que ficam perto da rede, porque a medida que elas vão sendo puxadas elas vão se fechando e os peixes começam a pular para fora da rede e vão cair nesta canoas dos aparadores de tainha.

- Muito bem. Quando chega na praia quem participa da divisão?

Falou um aluno:

- Os peixes são colocados todos em um monte grande, os que caíram na canoa dos aparadores e os que vieram na rede até a praia. O dono da rede faz uma roda de pescadores que dá mais ou menos umas 12 pessoas. Ele vai jogando perto de cada um, uma tainha por vez, e perto dele sempre duas, até terminar todos os peixes do montão. Ao final cada um fica com seu monte, conta todos os peixes para saber quanto rendeu a pescaria e vai vender na venda do seu Romualdo Teixeira.

- Muito bem, agora nós vamos fazer aqui na lousa uma divisão de pescaria de tainha.

Isto é ensino contextualizado. Em 1927 a professora Dionísia já usava esta prática pedagógica para ensinar os seus alunos. Nada mais simples que o dialogo, a conversa com os alunos. Esta prática dialógica vem dos filósofos gregos. Sócrates e Platão já usavam com seus discípulos a prática do diálogo. Hoje eu me pergunto se os professores das séries iniciais conhecem a dificuldade ou a facilidade de leitura de seus alunos, como vocês podem ver, pelo diálogo que tive com a professora Dionísia, há que se conversar com os alunos e considerar o que eles dizem de si mesmos. Acredito que isto ajudaria bastante no processo de ensino aprendizagem. Fica também registrado que o assunto importante, o qual eu reclamei da Cartilha, teve pouca importância diante da satisfação de descobrir a leitura.

Vejam que o diálogo com os alunos de Picinguaba, foi o mesmo que teve com a filha. Não houve diferença no trato com os alunos. A atenção foi a mesma. Outro ponto importante do artigo do Nenê Velloso é o problema político que o Brasil passou e que em Ubatuba não foi diferente. Este período de perseguição política e corrupção é conhecido na história como o Coronelismo.

Grupo Escolar Dr Esteves da Silva (rua Dona Maria Alves). - Imagem: © Arquivo Nenê Velloso

Em agosto de 1945, quando completei 9 anos, eu e meu irmão Josino, fomos ao Grupo escolar Dr. Esteves da Silva, que na época ficava na rua Dona Maria Alves, fazer um teste para saber em que ano a gente ia ser matriculado. Fomos para o segundo ano. Todos devem estar se perguntando porque não fomos para a escola aos 7 anos como todas as crianças. A minha mãe dizia que a gente não podia ir para a escola porque o meu pai era do PC. Para nós esta era uma letra que o meu pai gostava e, portanto não queria trocar de letra. Assim nós ficávamos estudando em casa, com a Professora Dionísia. A nossa casa era uma escola com 4 crianças e mais os outros que moravam na mesma rua, ou seja na rua Jordão homem da Costa, antiga rua São Salvador. Nesta época o Brasil vivia o Estado Novo. A história registra as fases da história como acabada e passada, mas elas não se acabam porque há fases que fazem parte da cultura daquele povo e se incorporam na identidade do País. O caderno Mais da Folha de São Paulo do dia 5 de julho de 2009, traz um artigo do Prof. José Artur Giannotti que diz o seguinte: “Aliança entre o Coronelismo e grupos emergentes aventureiros dilui chance de punição à corrupção”. O Coronelismo faz parte da cultura política Brasileira e como tal vai se articulando e rearticulando sempre na conquista do poder. Para se consolidar a Democracia é preciso vencer este poder maligno que ainda persiste na vida pública. Ele diz, ainda, “Os velhos coronéis não estavam acima da Lei porque eles eram a Lei.” Podemos considerar, apesar das dificuldades, que a Educação é uma alternativa para vencer a corrupção se a ética fizer parte dela. A professora Dionísia conseguiu grande vitória. O trabalho que deixou, apesar do Coronelismo, está na história de vida das pessoas que estudaram com ela. O educador precisa não só ter ética no seu trabalho, mas deixar como exemplo a sua vida.


Nota do Editor: Deusdith Bueno Velloso, nascida em Ubatuba, é professora aposentada, formada em Letras e Pedagogia e Mestre em Comunicação Social.
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