Segundo o dicionário Houaiss, aposta é “um ajuste entre pessoas com opiniões diferentes acerca de um fato, que será averiguado posteriormente, devendo aquela que perder ou errar em seu julgamento pagar à outra o valor anteriormente estipulado”. Em Londres é possível encontrar apostadores dispostos a qualquer loucura, até a arriscar quanto às possibilidades de o Cazaquistão tornar-se campeão mundial de futebol em 2010. O ministro Guido Mantega especializou-se em fazer apostas de antemão perdidas? À medida que se aproxima o final do jogo cujo resultado final prognosticou, ele refaz os termos da aposta. Em 2009, vamos crescer 4%, talvez 3% ou talvez algum valor menor – para citar a última forma. Apostas de geometria variável, em suma. Va bene, não convém espalhar o pânico, mas o papel de encantador das massas já é desempenhado pelo Presidente da República. Ao técnico – Mantega – cabe ser mais cuidadoso com seus palpites, a menos que os esteja fazendo para iludir, por algum tempo, os (cada vez mais) raros dispostos a prestar atenção no que ele afirma, pois fica cada vez mais intensa a sensação de que ele toma o ilustre público por um bando de trouxas. Perguntado sobre a meta do superávit primário, ele foi mais cuidadoso, ao afirmar que o governo ‘trabalha’ para manter a meta de 3,8% do PIB. Em que consiste o trabalho? – há de perguntar um australiano pouco afeito a logorréia ministerial. A resposta é que não há definição quanto a uma eventual redução da meta ante a crise. Se for usado o PPI (Projeto Piloto de Investimentos) o compromisso seria de 3,3%. O Projeto Piloto de Investimentos – irmão mais velho do PAC, e apesar de primogênito, relegado a um aparente ostracismo – reuniria projetos de alto retorno, tão alto que as despesas a ele associados poderiam sair da conta de padeiro: Receitas – Despesas (antes dos juros) = superávit primário. Ou seja: basta enquadrar uns 14 bi dentro do PPI – vamos tirar do PAC que não fará diferença – e pronto! Basta colorir as cédulas dedicadas ao investimento no PPI, e o fato de sair do ‘bolso’ nada significaria, pois virtualmente, as cédulas coloridas (sem trocadilho) continuam no ‘bolso’ devido aos méritos do gasto. Essa tese ousada já foi discutida com o FMI. Além disso, ainda é possível utilizar o Fundo Soberano. Yes, nos temos Soberano! Orgulho de todos nós, o fundo foi criado retirando do superávit primário de 2008, 14,2 bi para aplicações de propósito múltiplo e de gosto discutível – ora se tratava de compra de participações em empresas estrangeiras, ora nacionais, ora financiar projetos – não há limite para os sonhos. Ocorre que não basta sonhar. O superávit primário, em si pouco significa. Dá a medida do lucro operacional da Empresa Brasil, antes do pagamento dos juros da dívida. Por não ter sido suficiente para o pagamento da totalidade dos juros, a dívida do governo aumenta, mas como o PIB também aumenta, a relação dívida / PIB decresce, ou seja, o cadastro do devedor melhora. O cadastro, não o montante da dívida. Qualquer aprendiz de açougueiro diria que o superávit primário é o filé com osso do qual removido o osso – os juros sempre foram um osso na garganta – resta o filé, o superávit nominal. Estamos num caso raramente presenciado em açougues, mas comum nas contas brasileiras. Retirando o osso, some o filé. Ficamos devendo no açougue e continuamos vegetarianos, isto é pastando. O que o ministro da Fazenda acena como possibilidade pode ser visualizado melhor em câmera lenta, pois as mágicas deixam de existir quando se aperta a tecla slow motion: considerar a parcela retirada do superávit primário de 2008 que não foi utilizada para pagar juros e foi guardada em contêiner refrigerado, onde naquelas condições transformou-se em FSB, retirar cuidadosamente esses 14,2 bi e, após descongelá-los... colocá-los gloriosamente na conta do superávit nominal de 2009. Por sorte, não é bem assim que tudo se passa. O dinheiro não fica guardado, nem mesmo em se tratando do FUST, um saco de dinheiro bancado pelos usuários dos serviços de telecomunicações à espera de aplicação. É possível apostar nas alternativas do senhor ministro? Claro que sim. Ganhando ou perdendo, já é sabido quem pagará! Nota do Editor: Alexandru Solomon (asolo@alexandru.com.br), formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, é autor de “Almanaque Anacrônico”, “Versos Anacrônicos”, “Apetite Famélico”, “Mãos Outonais”, “Sessão da Tarde”, “Desespero Provisório”, “Não basta sonhar” e o recente livro/peça “Um Triângulo de Bermudas”. (Ed. Totalidade). Confira nas livrarias Cultura (www.livrariacultura.com.br), Saraiva (www.livrariasaraiva.com.br), Laselva (www.laselva.com.br) e Siciliano (www.siciliano.com.br).
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