Após ter sobrevivido a um atropelamento, – prova disso é que redijo essas linhas – participei de uma importante reunião na qual um economista merecedor de apreço dissecou a conjuntura econômica. De imediato reparei ser ele mais um dos adeptos das metáforas para interpretar o atual apuro. Assim, para descrever as medidas necessárias para sair do presente enrosco, afirmou estarem nossas autoridades diante de uma maratona, não de uma corrida de 100 m rasos, querendo com isso dizer ser imprudente sair a plena velocidade e decidir atabalhoadamente, já que se trata de uma prova longa. Ninguém na platéia indagou se o tiro de largada já havia sido dado, ou apenas, anunciado. Por que seria maratona e não uma prova de 3000 m com obstáculos, o palestrante não esclareceu. Pena, porque essa prova de steeplechase, por alternar corridas e saltos tem mais a ver com a atual quadra. Essa inocente mania de imaginar que a complexidade do assunto precisa de uma ilustração virou mania nacional, fruto da globalização, cela va sans dire. Será que nas platéias preponderam atletas e não seres dispostos a assimilar afirmações, sem o suporte de imagens tiradas da vida comum? Desde há muito, firmou-se o conceito de serem os executivos seres ocupados, além de um tanto limitados, contudo esforçados em assimilar rapidamente informações complexas – sem tempo para perder com conceitos áridos – com o auxílio de figurinhas, como as bobagens do indefectível Power Point? E por que insistir com maratonas? Como participante de 52 provas desse tipo, hei de reconhecer que a metáfora faz algum sentido, embora jamais tivesse participado de uma competição de 100 m rasos, ou de 100 m com barreiras, para poder melhor assimilar o tropo. É grande a quantidade de desmaios depois de qualquer uma dessas provas, vale dizer. Esse ponto em comum fragiliza aparentemente o impacto oratório do famigerado recurso. O renomado economista não está só. Edgar Allan Poe já dizia que uma metáfora fortalece um argumento, embelezando a descrição. Todavia, Kundera adverte: “As metáforas são perigosas. Todo amor começa com uma”. Há inúmeras possibilidades, uma vez decretado o ‘liberou geral’ das metáforas. Nosso ilustre presidente Lula, pilar do moderno pensamento ocidental, falou em marolinha e, de imediato, veio o complemento dessa imagem sugestiva, com nossa empedernida e valorosa oposição afirmando tratar-se na verdade de um tsunami. Ah, bom! Falar em ressaca pecaria pelo duplo sentido. Continuando nessa linha infantil, não custaria dizer que esse combate à crise, marolinha, recessão etc., tudo tem de uma luta de boxe a ser decidida por pontos, sendo o nocaute uma feliz, embora remota possibilidade. Collor, morador da casa da Dinda, falava em ippon. Grande Collor! Levou um Osoto-gari e o resto já é sabido. Poder-se-ia dizer que os ativos tóxicos necessitam de um purgante institucional, já que os laxantes proporcionados pelo FED não foram suficientes, e dar graças a Deus ter ocorrido o episódio Lehman Brothers a tempo para evitar que os pacotes criativos tivessem saído da nossa alfândega. Era só uma questão de meses, digam o que quiserem Aracruz, Votorantim, Sadia e outros criativamente apressados! Não poderá faltar o futebolês – viva o ludopédio – para se afirmar que é necessário um forte sentido de equipe para se alcançar a vitória. Ou que é preciso de um bom meio de campo para se impor ao fim da peleja. Que tal falar na utilidade dos ‘coringas’ – metáfora de segundo grau, uma vez que antes da Economia, o futebol a tomou emprestado dos jogos de cartas – para executar as tarefas inerentes à solução dos graves problemas conjunturais. Um amador de palavras cruzadas estará pronto a concordar que é preciso achar a palavra correta para preencher o 45 vertical – Austeridade fiscal. (Por que diabo fui falar em 45?) Um biólogo não se dará por satisfeito enquanto não se mencionar o levantamento do código genético da crise. Sem contar que um simples caixa de banco poderá discorrer sobre a importância de fechar o caixa diariamente – coisa que muito banco nem sempre consegue, para evitar problemas. Antes de mencionar a opinião de um farmacêutico, para o qual o importante é fornecer a remédio correto, ou na falta dele o genérico (obrigado, José Serra), diria que o terreno é extremamente fértil. Demonstrou-o o renomado Dr. DOOM, Nouriel Roubini – meteorologista nas horas vagas, ao que tudo indica – que já falava em procela em tempos menos bicudos. Quanta plasticidade nos seus dizeres, citados sem muito rigor por este escriba: “Quando o paciente está na UTI, importa salvá-lo, para depois explicar-lhe as vantagens de uma alimentação sadia e da atividade física”. Tudo isso para concluir que a palestra que presenciei foi interessante e que ficou claro que na minha próxima maratona, dia 5 de abril, não devo sair feito boi bravo. Ironias de lado, a palestra foi muito boa, embora tenha se mantido na atmosfera rarefeita (pronto, critiquei, critiquei e apelei também para uma metáfora) das generalidades, quando talvez, aos presentes, teria agradado mais saber qual o rumo do barco Economia Brasileira (que coisa, outra metáfora!). Aos sobreviventes desse naufrágio econômico (decididamente, é difícil falar sem metáforas), as batatas – de acordo com a famosa dieta do Bruxo do Cosme Velho, mais conhecido como Machado de Assis – mesmo se a batata em questão estiver quente. Nota do Editor: Alexandru Solomon (asolo@alexandru.com.br), formado pelo ITA em Engenharia Eletrônica e mestrado em Finanças na Fundação Getúlio Vargas, é autor de “Almanaque Anacrônico”, “Versos Anacrônicos”, “Apetite Famélico”, “Mãos Outonais”, “Sessão da Tarde”, “Desespero Provisório”, “Não basta sonhar” e o recente livro/peça “Um Triângulo de Bermudas”. (Ed. Totalidade). Confira nas livrarias Cultura (www.livrariacultura.com.br), Saraiva (www.livrariasaraiva.com.br), Laselva (www.laselva.com.br) e Siciliano (www.siciliano.com.br).
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