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COLUNISTA
Eduardo Souza
09/12/2009 - 07h04
Um grande amigo
 
 
 
Arquivo EASN 
  Antonio José Fragoso, o Toninho Xerife.

Manja aquele sujeito, dez ou quinze anos mais velho, de uma geração anterior à sua, cuja amizade você cultiva porque o cara, por ter mais experiência, tem as respostas para certos problemas que lhe angustiam, principalmente aqueles relacionados ao trato com as mulheres, para os quais você ainda não adquiriu traquejo? Pois eu tive alguns poucos amigos assim na juventude, que me foram conselheiros e também companheiros de peripécias. Sei que a rapaziada de hoje já nasce tendo respostas para tudo, engordada que é por tantas informações dantes impensáveis e inimagináveis, embora acostumada a engolir tudo sem mastigar e sem digerir direito. Mas no meu tempo não era assim, não. Certos assuntos eram tabus na relação de pais e filhos. No que diz respeito às mulheres, aí, então, o bicho pegava. A iniciação era problemática. Não havia esse negócio de "ficante", "passante", "pequete"... Pegou, botou dentro, deflorou... era pá e bosta! Casava. Nem que fosse na frente do seu delega. A saída era aquelas senhoras de órgãos públicos.

Dos amigos desse naipe, especialista em assuntos aleatórios e Ph.D. na arte da paquera, naqueles anos dourados, o guru que mais prezei foi o Toninho Xerife. Quando o verão se aproxima, como agora, é inevitável lembrar-me do querido e saudoso amigo. Posso vê-lo neste instante: óculos escuros, cabelos impecavelmente penteados, aquela indefectível camisa estampada, aberta no peito (tipo turista americano no Havaí, que a gente via naqueles filmes do Elvis Presley), shorts, chinelas havaianas e aquele sorriso maroto, indicando ter na ponta da língua uma nova piada para me contar, ou então me passar um relatório sucinto e confidencial sobre alguma gata. Se eu tivesse de escolher alguém que representasse a Ubatuba daqueles tempos - uma cidade tranqüila, alegre e descontraída - não teria dúvidas de que o Antonio José Fragoso, o Toninho Xerife, seria o nome, seria esse ícone.

Lembro-me de que, nos domingos de verão, encontrávamo-nos na Praia do Cruzeiro, por volta das 10 horas, e depois cumpríamos um ritual por ele inventado. Caminhávamos pela praia até as proximidades de onde é hoje o aquário e depois voltávamos. Fazíamos isso várias vezes. Era um caminhar lento, com algumas paradas para conversar com outros amigos, alguns mergulhos, tudo para passar o tempo e esperar o grande momento. Lá pelas 13, 14 horas, no trecho da praia defronte a Avenida 9 de julho, esse momento era chegado. As madames, que se hospedavam ou tinham casas naquela localidade, que se banhavam e pegavam sol naquele lugar da praia, juntamente com a família, já juntavam suas tralhas, levantavam acampamento para irem almoçar. E eu e o Xerife dentro dágua, como duas gaivotas, boiando, esperando a hora... Depois, aquele trecho da praia ficava deserto por uns tempos. E nós lá, gaivotando... E eis, então, que surgem, maravilhosas, cor de jambo, com seus maiôs inteiros (que depois de molhados revelavam mais do que ocultavam...), alegres, dando gritinhos, saltitantes - as empregadinhas domésticas! Terminados os afazeres nas casas, elas não esperavam a hora de correr à praia para se divertir. E eu e o Toninho estávamos lá, expectantes, flutuando, para ajudá-las... "Você ainda não aprendeu a nadar?! Vem cá, meu bem, que eu lhe ensino..." Era um tal de mãos e dedos pra cá e pra lá... Uma esfregação aquática... Inesquecível. Bons tempos!

Bem, se você esperava mais detalhes dessas aventuras erótico-marinhas, esqueça. Aqui não é lugar. O Xerife, além das noitadas, foi também o meu grande companheiro de pescarias. Já contei, aqui n’O Guaruçá, aquela em que só ele pescou - 7 robalinhos, juro! - e eu e o Tuca voltamos sapateiros, lá na costeira da Praia da Justa. Ah, baile, boate, era também com ele. Não chegava a ser um pé de valsa, mas, assim como eu, dava pro gasto. O importante era estar agarradinho, ao som romântico do Johnny Mathis, da Românticos de Cuba... Sim, naqueles tempos, dançava-se agarradinho. E quando dava para encoxar, aí então a temperatura subia barbaridade.

Bom sujeito. Bom amigo. Solteirão convicto, devido a uma grande paixão, no passado, não correspondida. Amizade desinteressada, como são as boas amizades. O prazer da companhia, o respeito à individualidade de cada um, às diferenças. Tínhamos em comum ter nascido, viver na mesma cidade e ser frutos da mesma cultura. Não construímos nenhum monumento, nenhuma pirâmide, não cometemos nenhuma proeza, nenhum feito que merecêssemos ficar na história de Ubatuba. Um dia, pouquíssimos se lembrarão de que, simplesmente, passamos pela vida.

Bons tempos aqueles. Cultiva-se o cavalheirismo, a amizade desinteresseira. Penso que o Toninho não estaria confortável no mundo de hoje, nesta Ubatuba insegura, em que ninguém se respeita, em que ninguém se identifica com mais nada. A última vez em que estive com ele, já estava de cama, com a doença que o levaria. Nesse dia, para me conter, e sem saber o que dizer (aliás, nessas horas, nunca soube), constrangido, brinquei: disse-lhe que deveria se tratar, sarar logo, pra matarmos umas garoupas, para uma pescaria que estávamos devendo um ao outro. Ele, no escuro do quarto, sorriu e respondeu-me afirmativamente. Mas, depois, as garoupas sumiram das costeiras... e eu, então, nunca mais quis saber de pescar. Fiquei sem companheiro.


Nota do Editor: Eduardo Antonio de Souza Netto [1952 - 2012], caiçara, prosador (nas horas vácuas) de Ubatuba, para Ubatuba et orbi.
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