Eram os anos 50, década de ouro. Além da bossa nova, de Brasília e da euforia nacional, o Brasil conheceu naqueles dias o mais importante invento para a organização e entretenimento social: a televisão. Pouca gente, além de Assis Chateaubriand, o pai da idéia no Brasil, imaginava que aquele aparelho sofisticado fosse chegar a 70 milhões de lares no país. Dias antes da inauguração da primeira emissora de TV brasileira, nenhum televisor havia sido vendido, o que fez com que Chatô contrabandeasse 200 aparelhos, que foram distribuídos a personalidades da época, entre elas, o presidente Dutra. Hoje, o aparelho que revolucionou a sociedade brasileira é objeto de uma nova revolução. Mais de 55 anos após a estréia da primeira emissora de TV nacional, Brasil volta a discutir e falar em televisão. O debate, agora, versa sobre a TV Digital. Dessa vez, entretanto, o assunto não está na ordem do dia. Pouca gente, inclusive na imprensa, tem a real dimensão dessa mudança. Para tentar esclarecer pontos nebulosos sobre a TV Digital e mostrar como ela afetará a rotina da população, IMPRENSA ouviu especialistas e esclarece, a seguir, algumas das principais dúvidas sobre esta que pode ser uma nova forma de fazer e também de assistir TV. Oficialmente, desde o início deste ano, 22 consórcios de pesquisa estão estudando a melhor tecnologia da TV Digital para tentar não só adaptar as características dos modelos internacionais, mas criar soluções que atendam especificamente à população brasileira. "Os consórcios foram compostos por universidades e institutos de pesquisa, coordenados pela Finep (Financiadora de Estudos e Projetos), com o auxílio do CPqD (Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações). Fizeram parte desses consórcios a Universidade Federal da Paraíba, a USP e o Mackenzie, entre outros", explica Ricardo Benetton Martins, diretor de TV Digital do CPqD. O investimento girou em torno de R$ 50 milhões. Abaixo, acompanhe algumas das dúvidas mais freqüentes da população, quando o assunto é TV Digital, respondidas por Hélio Costa (Ministro das Comunicações), Fernando Bittencourt (diretor da Central Globo de Engenharia), Ricardo Benetton Martins (diretor de TV Digital do CPqD), Roberto Franco (diretor de tecnologia do SBT e presidente da Sociedade Brasileira de Engenharia de Televisão e Telecomunicações - SET), André Barbosa (assessor especial da Casa Civil) e Marcelo Zuffo (Professor Livre Docente do Departamento de Engenharia de Sistemas Eletrônicos da USP). Afinal, o que é TV Digital? O que ela tem de diferente desta TV que tenho em minha casa? A TV digital, na verdade, se trata de um sistema de transmissão de dados feita através de códigos binários. Diferentemente da TV convencional (analógica), em que os dados são transmitidos através de ondas eletromagnéticas, o som e a imagem são digitalizados, e transmitidos na mesma linguagem utilizada nos computadores. Quais as principais mudanças da TV analógica para a digital? A TV Digital possibilitará uma transmissão de imagens sem interferências, melhor qualidade de imagem e som, maior variedade de canais, o uso de recursos interativos, como fazer compras em supermercados, escolher o ângulo de visão em partidas de futebol, votar em enquetes de programas em tempo real, acessar cenas de capítulos anteriores de novelas, entre outros. O aparelho de televisão também pode ser utilizado para mandar e receber e-mails e acessar a internet. A mobilidade também é uma vantagem. "A TV digital nos dá a possibilidade de acessar gratuitamente a programação das emissoras de TV aberta no carro, no ônibus, através dos telefones celulares", explica Fernando Bittencourt. Quem terá acesso à TV Digital? A expectativa é de que, ao longo dos anos, toda a área brasileira seja coberta. Os primeiros testes serão realizados na cidade de São Paulo, durante a Copa de 2006. Em seguida, a transmissão deve se estender para as demais capitais e depois para o interior do país. "Durante a Copa do Mundo vamos fazer as primeiras transmissões. Espero que no máximo em dois anos já tenhamos a implantação definitiva do sistema, primeiro nas capitais e depois no interior", garante o ministro das Comunicações Hélio Costa. Meu aparelho de TV analógico vai receber os sinais digitais? Precisarei comprar uma outra televisão? Não necessariamente. No período de transição, previsto para que dure cerca de dez anos, as emissoras devem transmitir tanto em digital, quanto em analógico. Para assistir TV Digital, basta comprar um aparelho digital ou um conversor, que pode ser acoplado a qualquer aparelho analógico. Este aparelho transforma sinal digital em analógico. "Estamos trabalhando para que o Brasil tenha o conceito de transmissão múltipla. Temos que inserir a TV Digital de forma responsável e democrática. As pessoas que não tiverem um conversor, ou um aparelho digital, conseguirão assistir TV normalmente, até que este período de transição - que eu estimo em dez anos - seja concluído", explica Marcelo Zuffo. Como é um aparelho de TV Digital? Além das diferenças técnicas de recepção, o formato do aparelho digital é diferente do analógico. A tela da TV Digital tem uma proporção de 16x9, mais horizontal e próxima do cinema. A atual é mais quadrada, com proporção 4x3. Quanto vou pagar pelo conversor? Os conversores, de acordo com o professor Marcelo Zuffo, devem chegar às lojas no Natal de 2006, por um valor equivalente a um aparelho de televisão de 14 polegadas. O ministro das Comunicações Hélio Costa, prevê que este aparelho, em curto espaço de tempo, chegue a preços bem mais acessíveis, em torno de R$ 40,00. Serão colocados à disposição no mercado, neste período de transição, diversos modelos de conversores, desde os mais simples - que apenas decodificariam a imagem - até os mais sofisticados, que poderão dispor de diversos tipos de serviços alternativos. Vou poder assistir a canais pagos depois de comprar o conversor? Não. Quando se fala em aumento da oferta de canais, isso não quer dizer que você vá poder assistir aos canais por assinatura (Sportv, TeleCine) apenas com a instalação do conversor. O fato é que as emissoras abertas, que já fazem a transmissão gratuita, poderão contar com mais quatro canais de programação, desde que não optem pela alta definição. A convergência de mídia na sala de casa TV no celular, internet pela TV, compras em tempo real. Estas são algumas das facilidades prometidas com a vida da TV Digital. E o mais importante: tudo de graça. Muito mais do que imagem livre de interferências e som de cinema, o novo modelo de TV pode mudar a forma de se assistir à televisão. "Imagine em um programa de entrevistas, você ter acesso a uma ferramenta que te permita interagir, de fato, com o programa. Eles lançam uma enquete, por exemplo, e com seu controle remoto, você pode votar e dar sua opinião, que pode ser vista em tempo real pelos apresentadores do programa", diz. "A partir daí, pode ser que haja mais interação entre as pessoas, a discussão de temas polêmicos em casa, no sofá da sala. As pessoas deixam de ser meros telespectadores para se transformar em atores", conclui Ricardo Benneton Martins, do CPqD.
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