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CULTURA
Lenda da Cruz de Ferro da Serra

Cruz de Ferro
Foto: © Mauro Roberto Santos
Na Rodovia SP-125 (denominada Rodovia Oswaldo Cruz), que liga Ubatuba a Taubaté, entre a cidade de S. Luiz do Paraitinga e Ubatuba, existe uma serra que divide o litoral do Vale do Paraíba. Nessa serra, às margens da estrada, há uma cruz de ferro fincada, onde as pessoas vão acender velas, pois dizem que ela é milagrosa. Essa cruz é oriunda de um drama de uma família caipira. Juca Mineiro, nascido em Minas, na cidade de Alfenas, casado com Mariazinha, veio como ave de arribação morar num vale, entre a cidade de Cunha e São Luiz do Paraitinga, onde conseguiram um pedaço de terra. Ergueram lá um ranchinho. O casal vivia bem, tiveram um filho a quem deram o nome de João Camargo como o pai, mas apelidaram-no de Gorinho. Mariazinha era uma cabocla bonita, cabelos negros e longos desciam macios sobre os seus ombros, a pele cor do jambo maduro, os olhos castanhos claros (que ficavam meio esverdeados à luz do sol). Quando Juca Mineiro a levava à cidade, seja a de Cunha ou de São Luiz, todo mundo parava na rua para admirar sua formosura, era realmente a cabocla mais linda da redondeza. Em um desses passeios por Cunha, Brasílio, um sujeito de maus bofes (falavam que ele já tinha várias mortes no costado), pistoleiro de aluguel dos coronéis de fazenda, muito comum naquela região, ficou deslumbrado e perguntou ao dono do armazém onde Juca Mineiro trocava os seus produtos do sítio com o comerciante.

- Ei, Seu Afonso, donde é que veve esse caboclo que tem essa belezura de muié?

- Se apoquente, Brasílio, isso é muié dereita, não é pro seu bico não.

- Não pedi sua pinião, nóis tá é querendo sabê onde se amoita essa belezura, tais vendo esse pau de fogo? Se não quizé dizê onde é, vou metê um chumbo quente no teu bucho.

- Carma, Brasílio, nem se pode falar brincando com ocê que ocê parti pra egnorança, eu conto, carma queu conto.

E o Afonso contou. Tinha medo do Brasílio, ele era mesmo capaz de dar um tiro nele só para ver ele se estrebuchar com um tiro na barriga. Claro que ele sabia que o cafajeste não ia dar paz ao casal, mas não podia fazer nada. Explicou-lhe onde era o rancho. Uma tarde, Brasílio vigiava o rancho, viu quando o Juca saiu e foi falar com Mariazinha para sondar o terreno. Foi-se achegando á frente do rancho, parou na varanda e bateu palmas. Mariazinha saiu.

- Bastarde, cabocla, seu marido tá em casa?

- Bastarde, o que o siô qué com ele?

- Nada não, eu queria mermo é te conhecê.

- Dá licença, moço, que meu marido não qué queu converse com estranho...

- Se é por isso é que não, meu nome é Brasílio.

- Vá embora, moço, senão eu conto pro meu marido...

- Seu fosse ocê não contava não, pode não fazê bem à saúde dele.

Brasílio foi embora. À noite, quando o Juca chegou, ela ficou na dúvida se contava ou não a ele, porém, receosa que seu marido fosse atrás do outro e, como alguma coisa em seu íntimo dizia que Brasílio devia ser um cara perigoso, resolveu não contar.

Passaram-se vários dias, até que uma tarde Juca teve que ausentar-se e ela ficou sozinha em casa. Estava ela a capinar uma parte do quintal onde o casal pretendia fazer uma horta, quando sentiu dois braços que a abraçaram por trás, por um momento pensou que fosse o Juca que devia ter desistido da viagem, depois percebeu o seu engano e tentou se libertar, o que realmente parecia impossível.

- Solte-me! Pelo amor de Deus, solte-me!

- Calma, gata brava, duma potranca assim arisca queu gosto.

- Solte-me! O que o siô qué comigo?

- Vou levar ocê comigo, qué queira ou não.

- Só se ocê me mata!

- Não, não vou te mata, se ocê não me acompanha eu mato o teu filho mais teu marido, assim ocê não tem mais motivo pra fica.

- Pelo amor de Deus! O meu filho não! Eu faço o que ocê quizé.

Brasílio a soltou. Mariazinha caiu no chão, meio desfalecida e em prantos. Ele, cinicamente e selvagemente, levantou-a pelos cabelos sem se importar com seus soluços. Levou-a para dentro de casa. Lá dentro ela se dirigiu ao berço tosco de madeira feito pelo seu amado, onde dormitava o seu bebê, e ficou olhando para ele com as lágrimas descendo pelo rosto, num pranto mudo, querendo abraçá-lo e reconfortá-lo junto ao peito como um último afago, mas teve medo de acordá-lo e expô-lo a esse clima de angústia que lhe dilacerava o peito. Brasílio entrou no quarto com um pedaço de papel numa mão e o revólver noutra.

- Tá aqui, cabloca arisca, um bilhete pro seu marido, ele vai morrer de raiva quando lê, ha, ha, ha, ha...

Juca Mineiro chegou em casa á noitinha e pressentiu que nada ia bem no rancho, pois de longe ele não avistou as luzes do candeeiro que Mariazinha deixava aceso do lado de fora para que ele se guiasse no negrume da noite. Esporeou o alazão apreensivo, apeou o cavalo e, ouvindo o choro de seu filho, entrou desesperado.

- Mariazinha, Mariazinha! - chamou. Nada. Apenas o silêncio da casa, quebrado pelo choro do bebê, respondeu. Entrou no quarto e viu Gorinho aos prantos no berço, sobre a cama um pedaço de papel que ele leu com dificuldade. Estava escrito:

"Juca, estou cansada dessa vida miseráve, vou embora com arguém que pode me dá o que eu mereço, adeus. Assinado Mariazinha."

Não. Não podia ser verdade, Mariazinha era doce, compreensiva, companheira sempre do seu lado em tudo, não podia ter mudado da noite para o dia, tornar-se mesquinha por simples promessas de luxo e riqueza, deixar seu filho que tanto dizia amar. Era tudo um sonho. Logo de manhãzinha ele ia acordar e ver Mariazinha deitada ali a seu lado. Ficou sentado na cama a embalar Gorinho, olhando fixamente para o nada, de vez em quando uma lágrima teimava em desprender-se do canto do olho, mas ele a continha a duras penas. Amanheceu e ele não percebeu que o bebê havia dormido em seus braços. Por isso, quando falou com ele, acabou acordando-o.

- Gorinho, agora nóis só tem nóis mermo pra se ajuda um ao outro, não há de sê nada, Deus é grande, e eu prometo a Nossa Senhora de Aparecida que, se ela me ajuda a atravessa esse caminho de espinhos, eu vou lá na sua cidade beija os seus pés, e eu e meu filho havemos de subi as escada de sua igreja de joelho.

Passaram-se doze longos e sofridos anos, Gorinho já é um garoto alto entrando na adolescência, Juca Mineiro tornou-se um cara caladão, entregue totalmente ao trabalho tentando sufocar Mariazinha no seu coração. Um dia de sábado, ele chamou o filho e disse-lhe:

- Gorinho, faz hoje doze anos que sua mãe nos abandonou, eu estou querendo ir amanhã até Aparecida do Norte pra pagá à promessa a Nossa Senhora que, sem ela, eu não teria agüentado tudo isso.

No outro dia cedinho, saíram, cada um num cavalo e foram até São Luiz; dali seguiram de ônibus, uma lotação que ia para Aparecida. Chegaram lá, cumpriram com a promessa e quando se preparavam para descer a escadaria da igreja, Juca que ia à frente, deu um encontrão numa mulher derrubando-a no chão. Quando foi ajudá-la a levantar-se, reconheceu-a, apesar da pintura exagerada que usava.

- Mariazinha, ocê aqui?!

- Juca, me perdoe - segurando o braço dele como quem se gruda a uma tábua de salvação -, mas eu fui obrigada a te abandoná, ocê precisa me ouvi...

- Não precisa se explicá - ele falou com o orgulho ferido a colocar-lhe as palavras na boca, enquanto o coração gritava lá dentro a felicidade de tê-la novamente encontrado -, eu li o seu bilhete...

- Juca, aquele bilhete não era meu, eu nem sei escrevê, foi o Brasílio, um cabra mau sem coração, ele ameaçou matá Gorinho e ocê seu não acompanhasse ele...

Ficou ali, olhando nos olhos dela, tentando ver se lá no fundo ele podia vislumbrar a verdade, a verdade em que ele queria acreditar.

- Mariazinha, não me iluda, pra depois me abandona outra veis...

- Não tô iludindo ocê, essa é a verdade, eu fui obrigada, pelo amor de Deus, Juca, acredita em mim, me leva com ocê.

- Esse aqui - mostra o filho que está em pé ao seu lado com os olhos espantados observando tudo - é o Gorinho, nosso filho, pela vida dele e em nome da Nossa Senhora de Aparecida eu te perdoo e vou acreditá em ocê, vem vem com nóis.

Ela abraça os dois e eles se dirigem ao ônibus para voltar ao rancho.

Logo depois, Brasílio chegou ás imediações da igreja procurando por Mariazinha. Não a encontrando perguntou a um conhecido:

- Ocê não viu a Mariazinha?

- Vi sim, ela saiu de braço dado com dois capiaus, um era ainda garoto, e pegaram o lotação dos romeiros de São Luiz. Brasílio ficou pensando: "Será que era o Juca Mineiro? Será que ele descobriu o paradeiro dela e veio atrás? O garoto devia ser o filho deles...". Foi então atrás dos três.

Juca Mineiro, chegando em seu rancho, disse à esposa e ao filho:

- Óia minha gente, eu acho mio nóis se mandá daqui; se esse tar de Brasílio é perigoso como ocê fala, Mariazinha, ele vai querê vortá aqui pra levá você traveis. Vamo pra Ubatuba que lá eu tenho uns conhecido e a gente se arranja uns tempo lá.

Mariazinha e Gorinho aceitaram a sugestão do Juca e seguiram viagem para Ubatuba. Chegando na serra, encontraram Brasílio.

- Ocê, muié, vai vortá comigo agora mermo, e ocê Juca, não atravesse no meu caminho se quizé criá esse menino.

- Ocê não tem dereito nessa muié, ela é minha, deixa nóis em paz.

Juca saca da peixeira e investe contra Brasílio que puxa o revólver e atira, acertando vários tiros no Juca Mineiro. Brasílio recarrega a arma e vai atirar também em Gorinho. Mariazinha, desesperada, agarra-se no menino.

- Não atira nele não, eu vórto com ocê. Deixa meu fiinho vivê.

Brasílio põe Mariazinha no cavalo e vai embora. Gorinho fica ali, chora só e desesperado, sem saber o que fazer. Depois de muito chorar, resolve enterrar o seu pai, enterra-o ali mesmo ás margens da estrada e coloca uma cruz tosca no lugar.

- Pai, eu prometo pro siô que um dia eu vou vingá o siô eu vou vivê apenas pra vinga o siô, um dia ele inda vai pagá com a vida a vida que ele tirô...

Gorinho não voltou para Cunha, continuou viagem e se instalou em Ubatuba. Decorridos quinze anos, ele agora é um rapaz forte, de vinte e sete anos, sempre caladão e solitário. Estando na venda do Seu Mané Portuga, viu chegar uma pessoa que ele logo reconheceu como sendo o assassino de seu pai, ouviu quando o mesmo falou para o Mané Portuga:

- Ei, portuga, põe uma cachaça pra mim, anda logo queu quero subi a serra ainda hoje.

Gorinho ouviu e saiu na frente de Brasílio tomando a estrada do Mato Dentro indo para a serra. Chegando no local onde seu pai morrera, cuja cruz de madeira ele mandara trocar por uma de ferro, ficou de tocaia. Quando Brasílio ia chegando, ele pulou na estrada com sua espingarda engatilhada, dizendo:

- Agora ocê vai morrê, seu cabra safado, a hora da vingança chegô, tá lembrando de mim?

- Não, não sei quem ocê é, mais baixa essa arma e vamo conversá...

- Não tem conversa não, eu sou Gorinho, filho de Juca Mineiro que ocê matou aqui nesse mermo lugá, toma aqui o preço da desgraça que ocê feiz.

Atira duas cargas de chumbo de sua espingarda de dois canos, estraçalhando o peito de Brasílio, tira a camisa ensangüentada do morto e leva até a cruz de ferro onde a coloca e diz:

- Pai, tais vingado, aqui tá a camisa com o sangue de quem te desgraçou...

FONTE
AS ORELHAS DO FRADE - CONTOS CAIÇARAS - Jobàn (João Batista Antunes)
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