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Ano 1 - Nş 0 - Ubatuba, 27 de Outubro de 1.997

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Ubatuba, sem retoques
Ao Professor Joaquim Lauro e Félix J. Francisco
Azul Marinho (ou peixe-com-banana-verde)
Preguiça, incompetência ou indústria de multas?
Atheneu, Teatro, Cinema, Praia...
Tio e sobrinhos...
Jogo de Búzios - Princípios
Que venha Robinson Crusoé...

 

Ubatuba, sem retoques
Aládio Teixeira Leite Filho
articulista@ubaweb.com

Praia do Itaguá, em Ubatuba - Foto: Pedro Paulo Teixeira Pinto

A Ubatuba de 40 anos passados não contava com o show de imagens espetaculares dos nossos dias, enviadas via satélite, não concentrava tantos carros em suas acanhadas ruas nas temporadas de verão, nem tampouco, para felicidade de sua população, possuía rios e praias engolidos pela volúpia, da selvagem exploração imobiliária e, tantos morros enegrecidos pelas cruéis e criminosas queimadas que hoje grassam.
Em seu isolamento, de fato ficava guardada com tudo quanto tinha. Sua cultura viva, sempre relacionada à pesca, aspecto que mantinha imaculada a identidade de um povo simples, sem apelos materialistas, profundamente apegado às tradições religiosas e tendo como divertimento inocentes bailes, como os que eram realizados na praia do Puruba, onde o chiba atravessava a noite e atraía pessoas de várias outras praias e da cidade.
Tempos que hoje os mais velhos recordam com saudades, em que pelas ruas simples da pequena e humilde cidadezinha, desfilavam figuras como o senhor Chiquinho Fidélis, que eternamente polemizava, tentando provar que a Terra era quadrada e que na composição da bomba atômica iam farinha de mandioca torrada, areia de formigueiro e pó de vidro, bendita e santa ingenuidade, quem dera tal suposição correspondesse à realidade, certamente o mundo estaria bem menos estressado.
O mesmo Chiquinho Fidélis, que em sua esperteza caiçara era capaz de proeza como a que aprontou em companhia de um compadre, quando contratados para construírem um muro, o fizeram sem nenhuma amarração; um foi receber o serviço enquanto o outro ficava segurando o mesmo, para que não ruísse antes de pegarem o dinheiro da sempre enérgica, exigente e implacável Dona Benedita Tortulina.
Da mesma família por adoção, tínhamos outra figura singular, o sempre alegre e espirituoso Domingos Pedros, que procurava ao máximo se esmerar em explicações, utilizando vocabulário complexo, face a simplicidade do povo da época. É de sua lavra preciosidade tal como: - Vim a escoteiro com dois cachos de banana nas costas e retorno por via fluvial.
Belos tempos de uma Ubatuba, em que tudo era singeleza e os maiores perigos a se temer eram o bicho de pé, grandes ressacas ou assombrações tais como: o corpo seco, lobisomem ou a mula sem cabeça. Ninguém na época, nem em sonhos acreditava que o homem um dia pudesse pisar na Lua, a AIDS não dizimava a população do mundo e as tresloucadas bicicletas, eram quem de fato apavoravam as mães, em relação aos filhos que exerciam a infância nas ruas que outros perigos não guardavam. Belos dias, serenos, isentos e fiéis, não como esses nossos tempos, ainda que globalizados...Fim do texto.

Participe!
Ao Professor Joaquim Lauro e Félix J. Francisco
Pedro Paulo Teixeira Pinto
articulista@ubaweb.com

Em 1.951 fui aluno do professor Joaquim Lauro Monte Claro Neto, no Grupo Escolar "Dr. Esteves da Silva". Vestia terno e gravata. Lembro-me do seu sempre paletó jaquetão e de sua figura austera. Dedicado, personificou uma época em que o professor e a escola pública eram vistos com grande respeito.
Bem mais tarde, em 1.976, freqüentei reuniões políticas em sua casa, ou melhor, "Consulado de Lorena", conforme uma grande placa de madeira que encimava o portão de entrada, no caminho do Tenório. Indicava seu devotamento à sua cidade natal.
A esposa inseparável, Dona Zezé, sempre atenta nos cuidados com o professor, que todos os anos, no Itaguá liderava a realização da "Corrida de Canoas", que no dia 14 de setembro comemora a Paz de Iperoig.
Determinado, encabeçava várias atividades comunitárias, por inteiro, e era dessas pessoas solidárias por vocação.
Dedicava boa parte de sua atenção às plantas e juntos plantamos em pé de pau-brasil na Praça 13 de Maio, num Dia da Árvore.
Na Prefeitura tive o prazer de trabalhar com Maria Joana, sua filha e assistente social, entre 1.983 e 88.
Senti estar fora da cidade quando de sua despedida, bem como da do estimado Félix José Francisco, o "seo" Félix, atento observador da cena política local. Estava sempre em sintonia com os bastidores, mesmo porque os políticos da terra assinavam ponto diário no tão falado "banco do Félix", que ficava na calçada, em frente ao seu Bazar Luna, na Rua Dona Maria Alves.
Félix José Francisco e seu tão falado banco. O prefeito, vereadores, o vigário, o delegado, o diretor do grupo escolar, ali sempre paravam nem que fosse para um dedo de prosa.
À tarde, o mundo, quando chegava a Ubatuba, chegava pelos jornais de São Paulo e pelas mãos do "'seo" Félix. Os poucos mas assíduos leitores ali se postavam para esperar as notícias. Vez em quando discussões acaloradas esquentavam o pacato bazar, sacudindo a poeira e acendendo a fogueira de paixões políticas. E lá vinha o Félix cheio de panos quentes, zeloso que era com as velhas amizades freqüentadoras de sua casa.
O Souza, o Filhinho, o Teixeira, o Silvino, o Almeida, o Rebouças, o Orlando Carneiro, eram personagens certos da "sala de leitura". O mundo que chegava impresso, inquieto, apressado, ansioso, barulhento, progressista, cifrado, competitivo, enchia os olhos mas permanecia longe da vida que bocejava pelas esquinas, praias e cantos da província.
Corria janeiro e um dia o "banco do Félix" amanheceu pendurado nos galhos da árvore que ainda hoje ornamenta o canto da Praça da Matriz, próximo à cantina da igreja, em frente ao antigo Luna. Ao constatar aquele abuso, mãos na cintura, furioso, "seo" Félix soltou as feras: "isso é arte desses playboys de Taubaté". Longe de pensar que fora traquinagem de seus bem jovens amigos do cotidiano caiçara, que esperamos ansiosos por aquele momento, para alimentar nossa pura, ingênua e romântica maldade, que escondeu a autoria de alguns episódios do gênero, antes e acima de tudo, pitorescamente infantis. Podia-se brincar assim!
Que o diga o Armandão, o Luiz Fernando Aranha, o Zé Enio, o Luiz Vianna, o Herbert Marques (Beto, filho do "seo" Félix), o Gregório, o Caculé, o Alfeu, o Caubi. Um dia fomos parar numa crônica de um livro do "seo" Filhinho, por conta de uma história que nos envolvia com algumas "penosas" do próprio escritor, o ilustre Washington de Oliveira.
E me vem a Serenata Sintética, de Cassiano Ricardo:
   Rua torta
   Lua morta
   Tua porta
Revisito aquela Ubatuba e homenageio, saudoso, os dois amigos.Fim do texto.

 

Azul Marinho (ou peixe-com-banana-verde)
Eduardo Antonio de Souza Netto
articulista@ubaweb.com

O melhor é de gonguito com banana São Tomé bem verde e gorda e caldo com pimenta malagueta – dirão alguns. Não creio, o melhor é de garoupa ou de sargo-de-beiço, com banana nanica e pirão com farinha de mandioca do Ubatumirim – dirão outros. A bem da verdade, essas discussões limitam-se a questões acessórias. Porém, a farinha tem que ser bem forneada, o peixe fresco, de preferência de costeira, e a banana, gorda e bem verde. Eu prefiro o gonguito, mas este pequeno bagre desapareceu. Já encomendei até para pescadores do mar-alto; mas não tem jeito, extinguiu-se ou foi extinto. Os mares de hoje não estão para peixe.
O peixe-com-banana-verde é o prato característico da gastronomia caiçara do Litoral Norte de São Paulo. Se o camarada tomar umazinhas antes, dá uma soneira de lascar. Neste caso, se for no verão, o ideal, depois de uma pratada, é uma boa rede debaixo de um arvoredo no terreiro da casa. O bom é comer de noite, no jantar, é mais fresquinho e tem gente que diz que o danado é um tremendo afrodisíaco. Agora, não se deve exagerar na cachacinha ou na caipirinha, senão a coisa desanda. Aí, o melhor remédio é dormir o sono dos deuses. Marinhos, de preferência. Na verdade, é um prato de fácil digestão. A moleza e a lassidão que dá logo após ingerí-lo é passageira.
O nome Azul Marinho é por causa do cozimento em panelas de ferro que antigamente se fazia. O contato do ferro com a cica da banana faz com que o caldo se torne escuro, meio azulado. Já em panelas de alumínio isso não ocorre.
O pirão? Ah! O pirão! Tem quem prefira feito direto no prato – o escaldado –, amassando primeiro a banana cozida, depois vem a farinha e por último o caldo bem quente por cima, misturando-se tudo com o garfo. Este é o modo mais típico. Outros preferem-no feito na panela, sem a banana, dissolvendo-se lentamente a farinha no caldo até ficar pastoso.
Se sustenta? É só perguntar para velhos caiçaras, aos que ainda restam, aqueles que vinham para a cidade pelo mar, de praias distantes, remando suas canoas por horas a fio. É uma alimentação herdada de índios e adaptada por portugueses. Seus ingredientes – a banana, a farinha de mandioca e o peixe –, no passado, haviam em abundância. Ah, ia me esquecendo, a cachaça também. A melhor, para mim, foi, sem dúvida, a Ubatubana. Dela ainda falaremos aqui no UbaWeb. Quanto ao Azul Marinho, você que está nos acessando agora, se nunca comeu e lhe deu água na boca, experimente fazer. A receita completa será publicada no próximo UbaWeb.
Agora, o bom mesmo é nos fazer uma visita, caso nunca tenha vindo a Ubatuba. Seja bem vindo e bom apetite!Fim do texto.

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