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Ano 2 - Nº 19 - Ubatuba, 18 de Abril de 1999
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· Filhos da amnésia, afastá-la é preciso...
    Aládio Teixeira Leite Filho
    articulista@ubaweb.com

"Será que a Ubatuba de que sentimos saudades existiu mesmo? Não estaria a memória a nos pregar uma peça? Será que essa Ubatuba foi tão esplêndida assim, para que nos engajemos na tentativa de ao menos resgatar o que nela entendemos ter havido de bom e que hoje, com raríssimas exceções, nem sequer vestígios existem mais... " - Ubatuba, sim, sim, sim... - EASN

Em recente e magnífico artigo de vossa autoria, "Ubatuba sim...sim...sim...", meu caro amigo Eduardo, num rasgo talvez de algum pessimismo, em decorrência das lutas sem resultados práticos e efetivos contra essa maré de reiteradas atitudes incompetentes que se abate sobre nossa cidade, notadamente no que tange ou depende de vontade política e que no final nos acaba reservando este quadro de estagnação quanto a importantes segmentos, fundamentais para o equilíbrio social, econômico e cultural de nossa cidade, como é o caso do turismo, política de meio ambiente, cultura... conduzindo-nos a profundos desalentos e reservando-nos, em alguns momentos, esta horrível sensação de descrença em tudo e em todos, que certamente ensejou o momento que você passa e que o levou a tão acachapante manifestação em que coloca em dúvida os contextos antigos que focalizam uma Ubatuba mais feliz, realizada e em sintonia perfeita com sua urbe, que aqui e acolá aparecem registrados em artigos de alguns caiçaras, e até mesmo de textos de sua própria lavra, que explicitam todo o lirismo ou os momentos de conotação ingenuamente engraçados, tradições que um dia cultivamos, dificuldades e virtudes de um determinado tempo da história de nosso povo caiçara. Tempos felizes em que era possível se amarrar cachorro com lingüiça. De certa forma, como já colocamos, caro Eduardo, você não deixa de ter suas razões, pois que ao longo dos anos, paulatinamente, nossa identidade foi sendo aos poucos apagada, em virtude das mazelas já referidas que determinaram a crítica situação em que hoje nos encontramos, sendo que, com relação especificamente ao que se refere à memória de nossa cidade, atualmente é muito mais fácil encontrarmos informações, por exemplo, acerca do período pré-histórico, idade média, renascimento... do que sobre os anos 30, 40, 50 versando sobre a história de nossa Ubatuba.

Da arquitetura colonial que, em grande parte dominava a estética de nossa cidade, às duras penas, conseguimos conservar em pé o Casarão do Porto que, imponente, ainda que meio constrangido, consegue se manter em alerta, com seus imensos janelões abertos e voltados para o mar. Contudo, dos acontecimentos políticos, muito pouco se sabe, ou, quem sabe, como única prova material que restou dos fatos políticos de importantes épocas passadas, talvez restrinjam-se às fotografias amarelecidas de presidentes da Câmara Municipal, que hoje se encontram fixadas na parede da ante-sala do plenário de Nossa Augusta Casa de Leis; mas, do folclore e da história do cotidiano de nossa gente caiçara muito pouco restou: parcas informações de alguns remanescentes daqueles tempos inocentes, relatados a nós, os mais jovens, em conversas familiares e que, na maioria dos casos, acabam se perdendo por não haver a preocupação de registrá-los, seja de forma escrita ou através de tapes.

Poucos sabem, por exemplo, que Ubatuba, em certa altura de sua história, viveu certo apogeu econômico e social a ponto de ter contado com um teatro, onde se apresentaram importantes companhias teatrais da época e que recebia também, com certa freqüência, visita de inúmeros políticos da capital e que mesmo a própria política local era muito efervescente, com disputas acirradas como no final do período dominado pelos Oliveiras, que durou mais ou menos quarenta anos, até surgirem forças como as lideranças de um Dr. Alberto, de um Wilson Abirached, que com eles vieram a rivalizar-se, determinando alternância de poder em nossa cidade. Não cabe aqui, posto que não é este o objetivo da matéria, providenciarmos análise critica da atuação destes políticos para o contexto social de nossa cidade, pois que são águas passadas e um eventual comentário mais ácido sobre um ou outro poderiam causar cizânias com familiares dos referidos políticos que, a esta altura, não faria mais nenhum sentido. Gostaria, no entanto, segundo testemunho de vários caiçaras da época, de registrar que o governo do Dr. Alberto Santos marca um período de importante abertura para nossos conterrâneos, momento a partir do qual a população caiçara começou a ter mais facilidade de acesso á escola, foram feitas doações de terras para que as pessoas que não as possuíam pudessem construir suas casas, enfim, o povo conheceu uma série de avanços sociais.
Casarão do Porto - Foto: © Miguel Angel

Quanto aos Oliveiras, é bom que nunca esqueçamos a importância de um de seus mais eminentes membros, o Sr. Washington de Oliveira, figura maiúscula de nossa política, emérito historiador, graças ao qual muito de nossa história, folclore e lendas foi salvo do ostracismo, por ter sido espetacularmente registrada por este grande ubatubense, que tem, no entanto, como principal virtude em sua trajetória de vida, sua atuação como farmacêutico, exercendo sua profissão com competência em nossa cidade, a qual, nos momentos em que não contava com médicos, no entanto, paradoxalmente, contava com o melhor deles, o seu Filhinho.

Muitas vezes Eduardo, discutimos a questão do cinema, elemento importantíssimo no que tange à questão de referência cultural de nossa cidade, posto que, através dele, em nossa infância, era o grande elo que nos colocava em contato com o que estava ocorrendo no mundo, seja Europa ou do Glamouroso mundo de Hollywood, em esfuziantes matinês que exibiam inesquecíveis filmes de cawboys ou sobre a 2ª Guerra Mundial, onde desfilavam impávidos e intrépidos personagens interpretados pelos grandes John Wayne, Gregory Peck... a sensualidade e a beleza incomparável de uma Elizabeth Taylor, Rita Hayworth, Rachel Welch... o qual, por falta de decisão política, passou às mãos da Igreja Universal (nada contra a igreja), mas que configurou-se desafortunadamente para nós ubatubanos, como você gosta de dizer, em irrecuperável prejuízo em termos culturais e até mesmo porque não dizer no que se refere à história de nossa já tão desmemoriada cidade.

John Wayne, Gregory Peck, Elizabeth Taylor, Rita Hayworth e Rachel Welch

Outro fato importante a se registrar é que Ubatuba, nos últimos tempos, uma elevada migração de nossos irmãos lá de Minas Gerais que, atraídos pela expansão imobiliária ocorrida em determinada fase econômica de nossa cidade, reflexo, é claro, da política econômica do país, que favoreceu grande desenvolvimento deste setor (época da construção da BR-101), vieram para cá em busca de trabalho e legítimas, é bom que se diga, perspectivas para suas famílias, que em suas cidades de origem não era possível. No entanto, essa fase era ilusória e rapidamente passou com a efemeridade de um algodão doce, e hoje estes nosso irmãos têm imensas dificuldades para arranjar trabalho, vivem em bairros sem infra-estrutura e submetidos a toda sorte de intempéries sociais, que por sua vez refletem para todo o conjunto social de nossa cidade. Por outro lado, nossa população nativa aos poucos foi se amalgamando aos forasteiros e os costumes, tradições, história e cultura sendo apagados e muito pouco, e de forma insipiente, resiste a este verdadeiro rolo compressor, a ponto de hoje em dia começar a nos assaltar as dúvidas, como as que atualmente o torturam ou o assombram com muita razão, Eduardo, sobre se realmente existiu aquele mundo caiçara de vida simples, feliz e inocente, onde a iniqüidade não passava de uma ou outra fofóquinha sem maiores conseqüências e no qual predominava constante a máxima dos inesquecíveis personagens de Victor Hugo, os lendários Haramis, Portus e D'Artagnan: "Um por todos e todos por um." No entanto, cabe a todos nós, caiçaras ou não, que amam esta cidade igualmente, lutarmos no sentido de resgatar sua história, seu folclore, suas tradições, pois que constitui-se na única fórmula possível de nos redimir e ao mesmo tempo termos, a partir daí, subsídios para decidirmos, com bases inteligentes e seguras, as ações futuras a serem ultimadas objetivando transformar Ubatuba em uma cidade progressista; mas que, ao mesmo tempo, possa conservar intacto seus valores ambientais, culturais, folclóricos, econômicos e históricos, elementos cruciais no sentido de se assegurar a possibilidade de melhor qualidade de vida para todos aqueles que nela vivem irmanados como homens de boa vontade. Por isso, Eduardo, tal qual navegar, lutar sem desanimar é preciso, para que os bons tempos possam rapidamente voltar... "Nada ultrapassa a felicidade do amor, venha de onde vier, seja como for..." Metrô - Banda de Rock, anos 80.Fim do texto.
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