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COLUNISTA
Julinho Mendes
03/05/2012 - 09h06
Mata Atlântica: seus vivos cantos e encantos
 
 
Julinho Mendes 

Seria muito legal virar esta página e, como nos cartões musicais de natal, ouvir os cantos das aves e pássaros que existem em nossa fabulosa Mata Atlântica. Seria impossível talvez eu querer uma coisa dessas; mas não seria impossível levá-los numa viagem mata à dentro para que conheçam, bem de pertinho o canto e os encantos da floresta.

Vamos lá?

Então vamos!

Nesta viagem são necessárias algumas providências e algumas precauções para se manter a segurança e até a preservação da própria vida. Preparem suas botas, calça grossa, um casaco de manga comprida, um boné, um “borná”, e se quiserem registrar a exuberância da mata, levem uma máquina fotográfica. Das providências levaremos apenas o essencial: um facão, um dente de alho, uma caixa de fósforos ou isqueiro e um pouco de sal, muita coragem e fé em Deus. Das precauções recomendarei o seguinte: antes de entrar na mata é bom pedir a Deus toda proteção. Peguem o dente de alho e esfreguem do joelho pra baixo, nas duas pernas, que é para afugentar as cobras; mesmo assim é bom sempre olharem aonde se vai pisar ou se sentar; o bicho só ataca caso, mesmo sem querer, ele for atacado. Não tenham medo das caninanas, das muçuranas, das cipós ou qualquer outra que tenha a cauda fina e a cabeça oval. Não as machuquem, pois essas são predadoras das peçonhentas de cabeça triangular, cauda curta e grossa, como as jararacas, os jaracuçus, as urutus, as corais verdadeiras, enfim, essas últimas cobras matam, e esses são os verdadeiros perigos da floresta, o resto é história pra meter medo em caboclo medroso. É lógico que não se deve mexer com filho de beija-flor e muito menos com filhotes de onça ou de jaguatirica, esses bichos, por amor aos filhos, matam também. Um outro perigo, não fatal, mas que deixa o indivíduo louco e desesperado é a perdida na mata. Enquanto não se conhece o mato em que está andando, ande apenas pelas picadas ou trilhos, mesmo assim lembre-se que a mesma picada se transforma em duas, ou seja, quando se vai a visão que se tem do mato é uma, e quando se volta a visão é outra; isso faz com que o indivíduo pense que nunca passou por ali e que já está perdido, deixando-o desesperando e fazendo com que ele fique indo e voltando tentando achar a picada que há pouco tempo havia passado. Para que isso não aconteça, preste bem atenção na posição do sol, na posição do barulho das cachoeiras, o pico de um morro, uma pedra de destaque, uma árvore esplendorosa, um córrego, um tronco caído, enfim, coisas destacáveis e relevantes que façam vocês lembrarem que já passou por ali. Caso mesmo assim vocês venham se perder, não se apavorem, lembrem-se que vocês têm um facão, uma caixa de fósforos e o sal; vocês poderão sobreviver comendo palmito, broto de caraguatá e de taquaruçu, coco brejaúba, o pindova, o pati brotado, o tucum, o coco baga, araticum e muitos outros frutos existentes na mata. Antes de entardecer façam um abrigo com folhas de guarecanga, amarrados com fios de embira branca, timbopeva ou imbé, cortem lenha e preparem aquela fogueira para esquentar o relexo da madrugada e espantar algumas aranhas e lacraias. Não tenham medo do mio da onça e nem do grito das corujas, durmam tranqüilos que ao amanhecer vocês precisam ter forças para acompanhar o serpentear de alguma cachoeira, até chegar num vilarejo ou na beira do mar.

Feitas essas recomendações, vamos então nos embrenhar nas exuberâncias da flora e fauna, vamos nos afundar num mundo mágico de canto e beleza, vamos nos mimetizar entre folhagens, pedras e paus, e vamos, principalmente abrir o coração para nos conscientizarmos da importância da vida animal e vegetal que envolvem nosso planeta e que o homem diante da natureza é um ser minúsculo, um ser pobre, que não sabe sobreviver sem preservar e respeitar a vida e o ambiente em que vive.

Vamos seguir e primeiramente vamos atravessar o orvalho frio da capoeira; será inevitável, mas os micuim subirão canela acima, eles vão chegar na cintura e, silenciosamente irão se alojar; a sarna será inevitável, mas é uma coceirinha gostosa, que depois de sete dias estará curada.

Ah, sim! Chegamos! Vejam só, elas estão em todos os lugares, chegam até fechar a luz do sol: aquela de folha parecendo espinha de peixe, é a “brecuíba”. Aquela de folhinhas miúdas é o jatobá. Tão vendo aquela cheia de passarinhos miúdos, é o embirotó e do seu lado, a araçarana. Aquelas três grossonas são: o cedro, a urucurana e o guapuruvú, delas se fazem a canoa, a gamela e o pilão. Olhem lá o pé de canela cheia de jacu e jacutinga. Aquele pau reto cheio de estrias é o jaquatirão. O jaquatiá parece um baobá, a árvore garrafa lá da África. Olhem lá um pé de palmito, ainda está de pé; que lindo a araponga branca fazendo contraste com seu cacho de coco preto. Ouçam bem e olhem só o pica-pau grudado no toco seco da cajarana, está telegrafando para sua namorada que responde no toco do angelim. Com esse toque-toque infernal, estão fazendo com que a preguiça saia correndo do pé de imbaúba; até o tatu saiu de seu buraco, de baixo da raiz da figueira para ver o que estava acontecendo. A quatizada e os bugios estão enchendo a pança com broto de caraguatá em cima do pé de esporão-de-galo. O ouriço se protege no pé de navalheira e o porco come a casca do pau d’alho... “A existência da flora depende da existência da fauna, e vice-versa”. Vocês estão vendo a jacutinga comendo o coco do palmito? Então! Ela sairá dali e irá cagar o coco ou a semente de qualquer outra fruta em vários lugares diferentes, fazendo assim a renovação da mata e que por sua vez, estas sementes irão brotar, crescer e frutificar, alimentando as aves e os animais. É esta a relação de existência e de sobrevivência entre a flora e a fauna. Coisa de Deus!

Já não ouvimos mais o falar dos homens, o som do mar, o canto dos apitos, o berro das buzinas... Estamos agora numa mata mais profunda e os sons que nos adentram os ouvidos são os maravilhosos cantos dos pássaros. Muita gente se perturba com isso: uns apagam com o tiro de espingarda e outros são egoístas, prendendo só pra si. Coisa do Homem!

Vamos prestar bastante atenção e ouvir essa melodiosa sinfonia. Nesse momento quem canta são os pássaros aéreos, aqueles que andam somente nas grimpas das árvores, nunca descem no chão, se alimentam de frutas e bebem águas nos copos dos caraguatás. Vamos ver e ouvi-los: a jacutinga é aquela lá no alto, é uma das maiores, tem um lindo topete e parece uma perua, é toda preta e chapiscada com pintinhas brancas, tem uma mancha branca nas asas e é o pássaro mais manso da mata, é por isso talvez que esteja em extinção pois é fácil de caçá-la; emite o seguinte som: fifi, fifi, fifi, fuiiiiiiiii, fuiiiiiii, fuiiiiiiii... Olha lá um urubu! Deixa de ser bobo, urubu não come fruta! Aquele é um jacu; se você tiver vergonha de pronunciar a palavra jacu, então, para remediar, fale jabunda; o jacu se assemelha com a prima jacutinga, tem um papo vermelho e não tem a mancha branca nas asas, é esperto e arisco, ao espantar-se faz um grande barulho (quáquáquá...) avisando do perigo aos demais do bando; tanto assobia como faz uma onomatopéia, ou seja, imita o seu nome, é assim: fuiiiiii fuiiiii fuiiii... jacujacujacu... Também não é um pombo! É a caçuróva, parece com um pombo, só que tem plumagem marrom-acinzentado bem escuro, seu canto, pra quem já viu um relógio cuco, é mais ou menos assim: cucucu cucuuuu, cucu cucuuuuu, cucucu cucuuuuuu... Pra que um bico daquele tamanho? Não se incomode, Deus o fez assim porque tem suas necessárias razões, tanto para voar como para comer! É o tucano, bicho arisco também; temos o de bico verde e o de bico preto, tem as costas pretas, o peito amarelo e umas penas vermelhas debaixo do papo e no sobre-cu; o seu canto é um grito; o de bico verde faz: queéééé, queéééé, queééé; o de bico preto faz: criiiiiu, criiiiiiu, criiiiiiiiiu... O pavô anda junto do tucano, é inteiramente preto e tem um belo colar vermelho, o seu canto assusta, parece assombração, é assim: vuuuuuuum, vuuuuuuum, vuuuuuuuuum... O dorminhoco, pelo nome vocês já viram que o bicho é lerdo, parece que anda dormindo, é o pardal da floresta, ou seja, tem em qualquer lugar; a cor predominante é o marrom escuro, mas apresenta penas pretas, amarelas, vermelhas, verdes, laranjas; tem o bico grande igual ao seu primo tucano; seu canto é meio rouco: kaóóóó, kaóóóó, kaóóóó... A saripóca ou araçari, também da família do tucano, tem o bico grande, é meio amarelo-amarronzado bem clarinho, seu canto é tímido, assim: tiu, tiu, tiu, trictrictric... Quem está tocando sino uma hora dessas? Deve ser o padre! Se não for o padre, é o ferreiro batendo bigorna! Nada disso seu bobão! É o canto da araponga que imita o som da batida no sino ou a pancada na bigorna; o macho é inteiramente branco com papo azulado e a fêmea é verde-esbranquiçado, totalmente rajada; o seu canto é assim: bleeeem... bleeem... bleeeem... blemblemblemblemblem... O surucuá parece que é um pássaro grande, mas engana, pois só tem penas e um rabo comprido, é marrom nas costas com peito amarelo ou vermelho e penas brancas abaixo do sobre-cu, começa cantando baixinho e ao longo vai aumentando o volume, é assim: fiufiufiufiufiufiufiufIUfIUFIUFIU... O crocoxô é igualzinho a um pintassilgo, só que é do tamanho de um sabiá; tente assobiar pensando na palavra CAVALOFROXÔ, é esse o seu cantar: fufi fifuuul, fufi fifuuul, fufi fifuuul...

Dos pássaros do ar, fico por aqui, mas irei apenas lembrar dos de rapinos que habitam as grimpas das florestas como os gaviões: o papa-mico, o carcará e o gavião-pato. Dos pequenos que vivem em meia altura, em árvores de médio porte, temos: o pica-pau, o abraça-pau (comedor de cupim), o papa-taóca (comedor de formigas), o vira-folhas, o bico-pimenta, a tiriba, o sabiá-cica, o sabiá da serra, a baitaca, a rendeira, o arcaide, o bonito, o gracaí, o gaturamo, e dentre os milhares: O TANGARÁ, um dos mais belos e exuberante pássaro da Mata Atlântica; têm o peito e parte das costas num azul-claro cintilante, as asas pretas e uma mancha vermelho-vivo na cabeça; vive em grupo de seis a oito, são os foliões da mata, cantam e dançam, numa festa que alegra a floresta inteira; parece a dança da fita ou da congada, uma ciranda cheia de mistérios e magias; é hoje, instituído por lei, o pássaro símbolo de Ubatuba.

Pois é! Com tanta beleza assim, vocês estão esquecendo das recomendações. Cuidado!!! Pisar numa folha espinhosa do coco brejaúba ou encostar-se numa folha picante de urtiga, e sem contar com os bichos-cachorrinhos peludos que se escondem atrás da folhas verdes, também é perigoso!

Vamos continuar! Observaremos agora as aves terrenas, aves que só sobem nas árvores para dormir, ou fugir dos predadores. Ouçam só, não parece que tem barco arrastando camarão na mata? Parece, mas não é nada disso, é apenas uma tubaca cantando; ela parece com uma codorna, apenas mais esguia, tem um canto monótono e compassadamente sumindo; assim: tu tu tu tu tu tu tutututu... A juruti parece também com um pombo; entristece a floresta com seu canto, não é um choro e sim um apelo para sair da solidão; canta para atrair seu companheiro. Cucu uuuuuu, cucu uuuuu, cucu uuuuuuu...

Começa o entardecer e para encerrar o dia, ouve-se no carrascá da capoeira ou no trançado do taquaral o lírico canto do poeta da floresta, o nambu, é menor que o macuco e tem plumagem marrom escuro, seu canto é um trinado poético, começa com um trino baixinho e bem distante um do outro e vai compassando aos poucos até embalar e chegar no apogeu apoteótico, num trino seguido e alto; pára e em seguida dá mais três trinos rápidos; assim: prim... prim... prim... prim... prim. Priprim priprim priprim primprimprim primiprimprim... Após o entardecer chega o serão; ainda no chão dá um piozinho curto e discreto (fion); estica o pescoço, mira o poleiro e num pápápá de asas chega no seu leito, respira fundo e em três pios amplificados dá o seu toque de recolher: fioooooooonnn, fioooooooonnn, fioooooooonnn. É o MACUCO que age assim, parece com uma galinha; ave astuta e misteriosa; tem uma plumagem cinza-azulada por cima e por de baixo um carijó amarronzado claro, se camufla perfeitamente entre as folhas secas; no acasalamento atrai sua fêmea com seu longo chororoco (frioronronron, frioronronron, frioronronron) um canto choroso e misterioso que engana os predadores que estão perto, fazendo-os pensar que está longe, e os que estão longe, pensam que está perto.

Anda logo seu lerdo, estamos aqui, só falta você, aconchegue-se!!! Pronto! Tá todo mundo aí, um juntinho do outro? Sim? Então vamos dar o boa noite! Um, dois, três e já: uruuruuruuruuruuruuruur... Mais uma vez! Uruuruuruuruuruuruuruuruuruuruurur... É o uru quem faz o desfecho do show, parece um garnizezinho, tem plumagem preta e também chapiscado com pintinhas brancas, tem um topete curto e um papo vermelho e como vocês ouviram, imita o próprio nome (onomatopéico).

Do diurno para o noturno, como num piscar de olhos, fecha e abrem-se as cortinas e entram em cena sonora o canto do pavor, o canto do agouro, o canto das almas perdidas e das assombrações; pássaros das bruxas e dos feiticeiros... Tudo besteira, tudo coisas da cabeça dos que tem medo da noite e do escuro. Na verdade as corujas, curiangos, urutaus, mãe da lua são os companheiros da noite, são eles nossos defensores, pois em vôos silenciosos e fulminantes atacam as cobras, as aranhas, os ratos e outros bichos que realmente nos põem em perigo. Durmam sem medo algum e sonhem; nessas alturas um micuim ou um carrapatinho porva ou estrela, certamente já está te fazendo companhia na região das nádegas.

Pois é, existem inúmeros pássaros que daria para escrever um livro só com estas indecifráveis palavras; palavras que enchem os mais diversos recantos da mata; entra na toca escura da onça, no buraco do tatu, no oco do pica-pau; ecoam pelos ares e pelos céus, chegam aos ouvidos dos anjos e alegram o brilhar das estrelas... O magnífico canto e encanto da floresta entra nos olhos e ouvidos dos homens e atingem o infinito de sua ignorância. Os cantos transformam-se em prisão e pranto. Os encantos transformam-se em adorno e morte.

“Aquele passarinho na gaiola,
Todos admiram o seu lindo cantar,
Mas ninguém sabe que aquele passarinho
Está cantando
Por não saber chorar.

Ah quem lhe dera, retornar a liberdade,
Cortar o espaço com seu leve soar
Voltar de novo lá no alto da jaqueira
Lá no pé de abacateiro,
Ou no grande jequitibá.

O passarinho é o símbolo do poeta,
Tem suas queixas, mas não sabe lamentar
Quando ele sente profundo a dor secreta
Por ele canta por não saber chorar

A quem me dera libertar os passarinhos
Que inocente estão atrás de uma prisão
Rever de voar livremente voltar a cantar
Para gente na campina ou no sertão.”

João Alegre - Cantador de Ubatuba

Escrevo este conto ao som do canto de um sabiá, talvez, uma araponga, ou então um curió. A inspiração brotou do som caiçara, do CANTADOR de UBATUBA, o som de JOÃO ALEGRE, que canta “AQUELE PASSARINHO”.

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