Recebi hoje uma mensagem que esclareceu o que aconteceu com o homem que andava nu pela praia do Perequê-Açú. Quando eu escrevi a poesia-crônica, o amigo Luiz Moura mandou-me uma resposta nem um pouco admirada, dizendo que muitas vezes sentiu vontade de fazer isso também, só não teve coragem ainda. Lembrei daquele filme "Dia de Fúria" em que um homem normal, trabalhador, um dia fica tão "emputecido" com o trânsito, com o abuso, com a falta de educação das pessoas e com todo o resto do miserável sistema do mundo, que sai furioso pela cidade, transgredindo normas e regras. O ilustre poeta Jobàn já foi mais longe, voltou aos idos tempos do Jardim do Éden. Disse que a Eva não se chocava com a nudez do Adão. De certo, só depois de provar o fruto proibido, passou a criticar a folha de parreira que cobria seu sexo. Segundo ele, até hoje, as mulheres tem esse mau costume de ficar criticando a vestimenta (ou a falta de vestimenta) das pessoas. Bem, mas a mensagem mais importante nessa questão foi escrita por um amigo do homem nu. Esse amigo me contou que o rapaz "é um homem de fibra, trabalhador, honesto, bom pai de quatro filhos lindos." O amigo disse também que "nenhum deles passa necessidade. Pelo contrário, têm tudo o que precisam: escola, carinho, paz e muita felicidade no lar. Só que para isso, o pai precisa trabalhar e trabalhar dobrado, aproximadamente, 20 horas por dia. Você sabe o que é isso?" Perguntou-me o amigo, indignado. - Eu sei, respondi, mentalmente. Meu pai trabalhou durante toda a vida, o mesmo número de horas diárias, para sustentar a mim e a meus dois irmãos. Não sei se ele já sentiu vontade de sair pelado na rua por causa disso, mas como diz o ditado, cadum, cadum. "O que aconteceu, na verdade, foi um descontrole emocional causado por excesso de trabalho", sentenciou o defensor do homem nu. Acredito piamente nisso, faz todo o sentido do mundo. Nunca passou pela minha cabeça que ele fosse um drogado. Ouvi esse comentário de alguém na rua e, de imediato descartei essa possibilidade. Ele não me parecia drogado e sim, alguém que estava tentando se libertar, dizer para a sociedade que ele, acima de tudo, é um ser humano, que merece respeito. De repente, no momento, essa foi a forma que ele encontrou. Eu não o culpo. Como diz o Moura, "já senti vontade de fazer isso também". Em outro contexto, até mesmo São Francisco despojou-se de suas vestes na praça de Assis e, diante do bispo e de seus concidadãos estupefatos, ergueu as mãos, com as palavras: "Daqui pra frente, poderei dizer com liberdade: Pai nosso que estais nos céus..." Espero, sinceramente, que o homem (agora vestido) do Perequê-Açú esteja melhor, aliviado. Espero ainda que sua família esteja bem. Um dia, eu acho que ele poderá dizer, com orgulho, para seus filhos crescidos: - Depois dos Tupinambá, o papai aqui foi o primeiro homem que teve coragem de andar pelado pela praia do Perequê-Açú. Ninguém entendeu nada, mas naquele dia, simbolicamente, eu me libertei dessa mania que o mundo capitalista e hipócrita tem de fazer a gente de escravo!
Nota do Editor: Aline Rezende é jornalista, meio poeta, um tanto quanto caiçara e completamente utópica.
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